No ventre verde da floresta antiga,
um hominídeo ergueu a postura correta.
A árvore era abrigo, despensa boia,
a certeza primeira, completa e perfeita.
O clima mudou, a savana se fez,
o chão era um mar de perigo e horror.
A árvore distante, refúgio talvez,
um oásis de sombra, lar de amor
Essa saudade, esse impulso vital,
no código genético veio a gravar.
Quem sentia o conforto, o jeito natural,
havia mais chance de sobreviver e passar.
É a Biofilia, o afeto por vida,
que Wilson* tão bem soube postular.
Uma atração que está sempre ferida,
um desejo de voltar, de descansar.
E no inconsciente coletivo, profundo,
Jung viu o arquétipo forte brotar.
A Árvore da Vida, o eixo do mundo,
que em todas as culturas vêm venerar.
No deserto do Egito, a Sicômoro ali,
era a própria Hathor, deusa a nutrir.
Seu seio de deusa, seu leme maternal,
protegia o faraó, que o fazia existir.
No Éden hebreu, o fruto do saber,
era a consciência que um dia explodiu.
O paraíso perdido, o deixar de ser,
o preço amargo que o homem leu.
E o homo sapiens, poeira de estrela,
ciente do abismo, do vasto não ser.
Olha pro cosmos e numa janela,
vê a Árvore e deseja nela crescer.
Não é só memória, é um chamado,
eco de um tempo sem tempo, sem fim.
É o símbolo eterno, complexo e adoçado,
da nossa jornada até aqui, além de mim.
Assim a razão e o mito se entrelaçam,
na dança da vida, ritmo ancestral.
E mesmas perguntas que nunca se calaram,
encontram na Árvore um abrigo atemporal.
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GLOSSÁRIO
- Epistemoesia:
Neologismo que une “episteme” (conhecimento científico) e “poesia”. Significa uma composição poética que busca transmitir conhecimento complexo e reflexão filosófica através da linguagem e da estética dos versos. Propriedade intelectual . - Biofilia:
Termo cunhado pelo biólogo E.O. Wilson. Define a hipótese de que os humanos possuem uma tendência inata e geneticamente herdada de se conectar emocionalmente com outras formas de vida e com a natureza como um todo, resultado de nossa evolução dependente dela. - Arquétipo:
Conceito da Psicologia Analítica de Carl Jung. São imagens, símbolos ou padrões de comportamento universais e recorrentes que residem no “inconsciente coletivo” da humanidade. Estruturas psíquicas comuns a todos, que se manifestam em mitos, sonhos e religiões. A “Árvore da Vida” é um arquétipo poderoso. - Axis Mundi:
Expressão latina para Eixo do Mundo .
É um símbolo universal arquétipo que representa um ponto de conexão entre o Céu, a Terra e o Submundo. Locais ou objetos como montanhas, escadas, pilares e árvores frequentemente simbolizam o axis mundi, servindo como uma ponte entre o mundo divino e o humano. - Sicômoro:
Árvore (Ficus sycomorus) de grande importância no Antigo Egito. Simbolizava vida, proteção e renovação. Por crescer em oásis no deserto, era vista como uma manifestação divina. Associada à deusa Hathor, que era invocada como a Senhora da Sicômoro. Madeira usada nos sarcófagos .
- Hathor:
Uma das deusas mais importantes do panteão egípcio. Deusa do amor, da alegria, da música, da fertilidade e da nutrição materna. Frequentemente representada como uma vaca ou como uma mulher com chifres de vaca, e também como uma árvore sicômoro da qual oferece água e alimento (leite) aos mortos e ao faraó, simbolizando cuidado e renascimento. - Inconsciente Coletivo:
Conceito central de Carl Jung. É a camada mais profunda da psique, compartilhada por toda a humanidade. É impessoal e universal, contendo os arquétipos. Diferente do inconsciente pessoal (de Freud), que é formado por experiências individuais reprimidas. - Arquétipo da Árvore:
Uma das imagens primordiais mais comuns. Geralmente simboliza:
· Conexão: Liga os três níveis do cosmos (submundo, terra, céu).
· Crescimento e Vida: Representa força, estabilidade e imortalidade (perde folhas e renasce).
· Conhecimento e Iluminação: O fruto ou a sombra sob seus galhos é local de revelação divina.