Arqueólogo amador

Por Arthur Soffiati*

Arthur Soffiati / Divulgação

Corria o ano de 1964. Houve um golpe de estado no Brasil. Eu contava com 17 anos e não tinha maturidade para me dar conta do que aconteceu. Ainda mais filho e neto de militares. Aos 16 anos, meu estado de espírito era eufórico. Eu queria tudo: das ciências naturais às artes, passando pelas ciências sociais. Entrei em crise pelas colisões internas de interesses.

Apareceu um túnel diante de mim. Talvez ele me conduzisse a uma saída. Tratava-se de um curso básico de noções de arqueologia com duração de seis meses ministrado pelo Centro Brasileiro de Arqueologia. Matriculei-me. Três professores representavam seu esteio: Alfredo Coutinho de Medeiros Falcão, Francisco Octávio da Silva Bezerra e Afonso Celso Vilella de Carvalho.

Meus colegas eram bem mais maduros do que eu. Eles vinham já com concepções formadas, como, por exemplo, a presença de fenícios no Brasil antes de Portugal. Eu ia desarmado, achando que a arqueologia poderia me dar um rumo no meio do aranhol de interesses que me confundiam.

A experiência foi maravilhosa. Os professores dissiparam concepções insustentáveis em alunos adultos e plantaram no meu espírito conhecimentos que trago comigo até hoje. Alfredo e Francisco Octávio não eram apenas professores, mas amigos dos alunos. Continuei a me relacionar com eles depois de decidir morar em Campos.

Não eram apenas aulas teóricas que o CBA oferecia, mas, e principalmente, experiências de campo. Terminado o curso com notas máximas, continuei ligado à instituição até 1969. Viajei com o grupo a Lagoa Santa e a Lapinha, em Minas Gerais, onde o paleontólogo dinamarquês Peter Wilhelm Lund viveu de 1833 a 1880 e fez muitas descobertas sobre a fauna do Pleistoceno e primórdios do Holoceno. Conservo com afeto lembranças dessas excursões.

Graças aos dois professores, fui aceito como guia não remunerado do Museu Nacional nos setores de paleontologia e arqueologia. Lá, conheci e trabalhei com o professor Victor Stawiarski. Ele era muito comunicativo e sedutor. Era problemático falar publicamente de sexo nos anos de 1960, mas ele contornava os problemas e ia diretamente ao assunto. Era apaixonado por uma múmia jovem comprada por D. Pedro I a traficantes. O processo de mumificação não foi feito em bloco, mas separadamente. Era possível ver seus braços, pernas, dedos e seios. Era um prato feito para Victor discorrer sobre a civilização egípcia e sobre sexualidade feminina.

Também conheci a arqueóloga Maria da Conceição Coutinho Beltrão. Ela então tinha o sobrenome do primeiro casamento. Com ela, realizamos várias prospecções em Guaratiba. Diante do meu interesse, ela me convidou para auxiliá-la no seu laboratório, também no Museu Nacional. Não gostei do meu trabalho. Consistia em limpar objetos, principalmente pontas de flecha.

Comecei a refletir sobre o estatuto de ciência da arqueologia no Museu Nacional, mas continuei a fazer escavações. Na Ilha do Governador, encontrei Ernesto de Mello Salles Cunha, arqueólogo amador que recorria ao espiritismo para fazer descobertas. Embora ele me levasse a refletir sobre a arqueologia em outra direção, tornamo-nos amigos. Encontrei-o em Campos como professor da Faculdade de Odontologia anos depois.

Outro campo de pesquisa para nós foi a restinga da Barra da Tijuca. Tínhamos aulas práticas de um curso de ecologia ministrado no CBA por Fernando Segadas Vianna, que acabara de voltar do Canadácom o título de doutorado em ecologia. Foi orientado pelo grande ecólogo Pierre Dansereau. Segadas Vianna nos deixava boquiabertos com seu conhecimento de restinga. Ele sabia o nome científico de qualquer plantinha e invertebrado. Discorria sobre a formação de restingas como se elas fossem o quintal de sua casa. Soube que sua vida foi complicada por doenças depois de sua aposentadoria. Sua família o trouxe para Gargaú, onde morreu antes da visita que programei lhe fazer.

Mas comecei a me afastar do CBA quando me mudei primeiro para São Fidélis. Depois para Campos. Em São Fidélis, ocorreu meu canto de cisne. Ouvi uma conversa sobre obras na Vila dos Coroados, onde apareceram vasos e ossos. Fui ao local e identifiquei um sítio arqueológico. Usei logo a lei de 1961, que protege os lugares com testemunhos humanos de outros tempos. Entrei em contato com o professor Alfredo. De imediato, ele mobilizou uma equipe de alunos do novo curso. Foi minha última prospecção como arqueólogo amador sob a batuta de uma entidade que muito me ajudou num momento crucial da minha vida. Mas minhas reflexões me afastaram da arqueologia clássica.

*Professor, escritor, historiador e ambientalista