O estabelecimento de um marco legal na produção de hidrogênio verde é importante para o Brasil, mas as alterações feitas no Senado na norma que trata do assunto abrem caminho para utilização de combustíveis fósseis na produção de energia que deveria ser de baixa emissão de carbono, alertam organizações ambientalistas. Aprovado pela Câmara na noite desta quinta-feira (11), o Projeto de Lei 2308/23, que estabelece o marco regulatório, segue para sanção presidencial.
O hidrogênio verde, tratado no texto da proposta legislativa como “hidrogênio de baixo carbono”, é visto como esperança de um tipo de combustível mais limpo, devido ao seu baixo potencial poluidor. “O hidrogênio é o combustível do futuro, pode ser usado para várias coisas: para transporte, aquecimento, energia elétrica. E tem avançado muito esse mercado em muitos países. No Brasil estamos plantando esta semente”, disse Adriana Ventura (NOVO-SP), uma das autoras da proposta, à Agência Câmara.
Mas o projeto, da forma como foi aprovado no Congresso, pode colocar em xeque essa premissa de baixo teor de emissões. Em nota técnica divulgada esta semana, a Coalizão Energia Limpa e o Observatório do Clima chamam a atenção para a ampliação do escopo do que seria considerado “baixo carbono”.
Enquanto o projeto aprovado na Câmara previa um limite de emissões de 4 quilos de dióxido de carbono equivalente por quilo de hidrogênio (4 kgCO²eq/kgH²), o Senado aprovou uma emenda, apresentada por Fernando Farias (MDB-AL), que sobe esse limite para 7 kgCO²eq/kgH² – quase o dobro do padrão anterior.
O aumento do limite de emissões e a adição de outras formas de obtenção do hidrogênio, incluindo a previsão de uso de “outras fontes a serem definidas pelo poder público”, abrem brecha, segundo as organizações, para uso de combustíveis fósseis na produção do que deveria ser uma fonte de energia limpa.
“O hidrogênio proveniente de fontes fósseis pode ser altamente poluente e emissor de carbono, o que iria na contramão do propósito do projeto de lei, que é estabelecer um marco regulatório para um combustível renovável e com baixa emissão de carbono”, alerta a nota.
As ONGs apontam ainda para a diferença do futuro padrão de emissões do hidrogênio brasileiro para o que é praticado no exterior, o que poderia prejudicar exportações. “A União Europeia, por exemplo, que é o principal comprador potencial do hidrogênio produzido no Brasil, definiu em regulamentação o teto de 3,384 kgCO₂eq/kgH₂. Devido à discrepância de padrões, o hidrogênio brasileiro ainda corre risco de não ser absorvido pelo mercado internacional”, diz o documento.
A mudança pela qual o texto passou ao tramitar no Senado atende principalmente aos fornecedores de etanol do Brasil. A justificativa dada pelo senador Fernando Farias para o aumento do limite foi a possibilidade do uso do etanol na obtenção do hidrogênio – que é separado das moléculas de oxigênio da água (H²O) por meio de processos químicos.
Para as organizações ambientalistas, no entanto, se o intuito era beneficiar a indústria do etanol, o aumento do limite não seria necessário. Isso porque o hidrogênio produzido a partir do processo de reforma a vapor do etanol emite muito menos carbono do que os 7 kgCO²eq/kgH² aprovados, dizem. Citando análises feitas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as organizações apontam para a emissão de 2,27 kgCO²eq/kgH² nesse processo.
Além disso, Coalização Energia Limpa e Observatório do Clima alertam que os altos limites de intensidade de carbono estabelecidos pelo texto do PL permitem que a produção do hidrogênio seja realizada a partir do gás natural e outros combustíveis que irão contribuir para o aumento das emissões de gases de efeito estufa do setor elétrico.
Na mesma linha, a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) também criticou o aumento do limite de emissões no projeto, após a aprovação final do texto pela Câmara. “A lógica da produção de hidrogênio vai ser usada com fontes poluentes”, afirmou à Agência Câmara.
Certificação
O projeto prevê ainda a criação do Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio (SBCH2), que certificará a sustentabilidade da produção do hidrogênio a partir do cumprimento do limite de emissões. A adesão dos produtores a esse sistema, porém, é voluntária. Segundo a nota das entidades ambientalistas, isso pode gerar descontrole nas emissões.
“Ao permitir a participação de combustíveis fósseis na produção de hidrogênio, é fundamental implementar mecanismos de verificação das emissões ao longo da cadeia produtiva, garantindo que o hidrogênio seja genuinamente de baixo carbono e que os limites estabelecidos sejam cumpridos pelos produtores”, argumenta a nota. “A flexibilização desses limites, aliada à falta de instrumentos de verificação e fiscalização, cria brechas para a produção de hidrogênio poluente, o que é ainda mais preocupante quando subsidiado com recursos públicos”, aponta.
Além disso, as organizações criticam a previsão do uso de energia hidrelétrica na produção do hidrogênio, devido aos impactos socioambientais causados por essa forma de produção de energia. O documento alerta para o risco causado pela emissão do metano, produzido no fundo dos reservatórios das unidades – um gás “com potencial de aquecimento aproximadamente 28 vezes maior do que o dióxido de carbono, contribuindo de forma significante para o agravamento das mudanças climáticas”, diz o texto.
“Urge que o índice de CO2 equivalente permitido para a produção de hidrogênio seja revisado. O texto atual do projeto, ao permitir condições que, na prática, podem resultar na produção de hidrogênio a partir de fontes poluentes, contradiz seus próprios objetivos ambientais”, conclui a nota.
Com o projeto aprovado pelo Congresso da forma como está, resta ao presidente Lula dar a palavra final. Ele pode aprovar ou vetar – total ou parcialmente – o texto. Caso haja algum tipo de veto, o Congresso ainda poderá derrubá-lo, mantendo o projeto da forma como foi aprovado.