Amazônia: três obras de Lula vão causar sérios danos ambientais

A discordância entre ministérios e a falta de inclusão no Novo PAC geram debate sobre os impactos ambientais e a sustentabilidade na região.

Pelo menos três obras e ações de grande impacto ambiental, segundo especialistas e militantes do meio ambiente, devem ser “tocadas” pelo governo do presidente Lula da Silva nos próximos anos.

São elas: a ferrovia Ferrogrão, entre o Mato Grosso e Pará, a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, próximo ao estado do Amapá, e a pavimentação da BR-319 (Amazonas-Rondônia).

Embora parte do governo, como as ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Originários, Sônia Guajajara, seja contra esses empreendimentos no Centro-Oeste e na Amazônia, outra ala – ministérios dos Transportes, Agricultura e Desenvolvimento Regional – é a favor das construções.

Além disso, a Ferrogrão, o petróleo na foz do Amazonas e a BR-319 têm o apoio do Congresso Nacional principalmente da bancada ruralista, assim como dos deputados e senadores da “porteira aberta para deixar a boiada passar”, no dizer do ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, hoje deputado federal, Ricardo Salles (PL-SP).

Mas, de tão polêmicos, nenhum desses empreendimentos se encontra no Novo PAC de Lula. No entanto, o debate dentro do governo está acelerado como a BR-319, que aguarda o relatório do grupo de trabalho do Ministério dos Transportes, o qual é favorável à obra.

Do mesmo modo, a exploração do petróleo na foz do rio Amazonas que também espera novos estudos de impactos ambientais solicitados pela Petrobrás, que tem interesse no investimento.

Ferrogrão

No último dia 26 de março, em Belém (PA), ao receber a Ordem Nacional da Legião de Honra, a maior condecoração concedida pela França, diante dos presidentes Emmanuel Macron e Lula, o lendário cacique Raoni Metuktire pediu que não seja aprovada a construção da ferrovia Ferrogrão, que ligaria Sinop, no Mato Grosso, ao porto de Miritituba, no Pará.

Para estudiosos, essa ferrovia entre o Centro-Oeste e Norte, é um projeto que transformará a Amazônia em soja e não cumprirá papel no comércio internacional.

A ambientalista Telma Monteiro, estudiosa da Ferrogrão, diz que 436mil quilômetros quadrados de floresta amazônica podem desaparecer e o objetivo comercial do projeto pode estar comprometido devido a crise no canal do Panamá.

Impactos

De acordo com os estudos da ambientalista e do pesquisador da Universidade Federal do Pará Tarcísio Silva, ficou provado que a Ferrogrão não se sustenta. Estudos econômicos e financeiros mostraram que os números apresentados pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) não correspondem à realidade.

Segundo eles, todos os indicadores demostram que se o projeto sair do papel provocará fragilidade social, violência urbana, desassistência, aumento do desmatamento, falta de saneamento, contaminação dos povos indígenas, das populações vulneráveis e dos rios pelo mercúrio usado no garimpo, já descontrolado.

O estudo aponta que pelo menos 16 terras indígenas e 104 assentamentos rurais serão afetados pelos impactos da ferrovia, a qual afetaria profundamente os modos de vida e direitos dos habitantes da região, que em nenhum momento chegaram a ser consultados.

Além do mais, Telma disse que fora todos esses problemas ambientais, com a transformação da floresta em plantações de soja, o projeto também não servirá para o agronegócio uma vez que conseguirá levar as commodities (soja, milho, madeira, minério e carne) até o oceano Pacífico, pois o canal do Panamá vive uma verdadeira crise climática que compromete o seu funcionamento. Desde 2020, o canal vem secando.

Leia a entrevista da ambientalista na Fórum

Grupo de trabalho

Em novembro de 2023, o ministro dos Transportes, Renan Filho, criou o grupo de trabalho Ferrogrão para analisar a viabilidade técnica, econômica e ambiental da ferrovia.

Desse modo, nos próximos dias 6 e 7 de maio, o Ministério dos Transportes e a ANTT vão fazer um seminário em Santarém, no Pará, com a presença dos setores que participam desse grupo para fechar a publicação dos estudos e apresentá-los ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, onde o empreendimento está sendo contestado pelos povos indígenas da região.

Exploração de petróleo

Já o pedido para perfurar poços de petróleo na bacia marítima da foz do Amazonas, também chamada de Margem Equatorial, está em análise. A Petrobrás tenta destravar a licença junto ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), depois da última negativa que recebeu, em maio de 2023.

O plano da petroleira prevê um investimento de US$ 3,1 bilhões de dólares na região até 2028 e abertura de 16 poços – a começar pelo o FZA-M-59. Em 2018, a francesa Total, que também estava na corrida, desistiu da empreitada após a negativa do Ibama, na sequência da descoberta de um recife de corais até então desconhecido pela ciência.

Enquanto o Ibama analisa pedido para exploração do combustível fóssil na costa da foz do rio Amazonas, especialistas alertam para riscos e catástrofe em caso de vazamento nesta região ainda pouca conhecida.

Riscos

Para Ricardo Fujii, especialista de conservação do WWF-Brasil, os impactos ambientais da exploração de petróleo e gás na foz da Amazônia são relevantes, principalmente para os estados do Amapá e Pará. E tais impactos são classificados em potenciais e os líquidos e certos.

“Entre esses impactos potenciais, que advém do derramamento de óleo, tem todo impacto sobre os peixes, tartarugas, mamíferos marinhos e aí a gente consegue imaginar como isso afeta a pesca comercial, a pesca artesanal na região. Desse modo, esse óleo pode chegar nos rios, manguezais da região e aí haverás impacto não somente nos peixes, mas também mariscos, jacarés e onças pintadas, sendo que no Amapá é onde está uma das maiores concentrações de onças pintadas no Brasil”, disse Fujii ao BNC.

Prejuízos à pesca

Por outro lado, os impactos líquidos e certos são aqueles que ocorrerão de forma invariável. O ambientalista do WWF-Brasil cita a movimentação das embarcações, assim como as aeronaves indo e voltando para as plataformas de petróleo.

“Isso gera um trânsito intenso e conflita com a atividade de pesca artesanal ou comercial, além de promover a criação de zonas de exclusão da pesca próximo a essas plataformas. E ainda o que causará com a própria perfuração do petróleo, trazendo a lama e os insumos químicos que serão injetados ou descartados em alto-mar”, adverte o especialista em conservação

Ricardo Fujji, do WWF-Brasil também cita os impactos econômicos, sociais e na saúde das populações já que a exploração petrolífera vai elevar o custo de vida, inflação, pressão sobre os serviços públicos de saúde e segurança pública nas cidades afetadas, ocupação irregular que levará ao desmatamento.

BR-319

A terceira grande obra na Amazônia, que todos dizem vai causar impactos ambientais, mas o governo Lula deverá aprovar a sua execução, é a BR-319, com a pavimentação dos quase 500 quilômetros do trecho do meio da estrada.

Em fevereiro deste ano, o BNC Amazonas publicou um artigo da revista científica Nature, de autoria do pesquisador Lucas Ferrante, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e Guilherme Becker, pesquisador e microbiologista da Penn State University (EUA).

Em um alerta científico, o estudo enfatiza a urgência de interromper a destruição na Amazônia e inclui a pavimentação da BR-319 como um fator de destruição.

Diz ainda que é urgente deter a construção de novas estradas que “vêm alimentando o desmatamento” na Amazônia, com destaque para a rodovia BR-319, bem como os projetos de exploração de combustíveis fósseis na região.

Convenção da OIT

Ao BNC Amazonas, a secretária executiva do Observatório BR-319, Fernanda Meirelles, disse que a organização não é contra a repavimentação ou qualquer obra da BR-319, mas defende que o ordenamento jurídico sobre a legislação socioambiental seja respeitado.

Assim sendo, disse Meirelles, é necessário que as consultas livres, prévias e informadas, conforme a Convenção nº 169 da OIT, sejam cumpridas e que medidas sejam tomadas para fortalecer a governança em territórios locais, em unidades de conservação e terras indígenas.

Além disso, alega a secretária executiva do Observatório BR-319, o não cumprimento da lei coloca em risco a sociobioeconomia a região das bacias dos rios Purus e Madeira, pois deixa vulnerável à exploração predatória e ocupação desordenada áreas estratégicas para o extrativismo, como as áreas de castanhais, copaibais, áreas de manejo pesqueiro e até madeireiro.

Sem atropelo

“Por fim, insistir em atropelar o devido processo legal pode levar ao desperdício de recursos públicos e travar o andamento de ações de recuperação da rodovia. Portanto, o OBR-319 e suas organizações-membro se posicionam ao lado da lei por um processo que respeite os direitos legais constituídos dos povos da floresta e o fortalecimento das medidas necessárias para a sustentabilidade de comunidades tradicionais, indígenas e de municípios”, afirma Fernanda Meirelles.