Por Arthur Soffiati
Ao planejar meu retorno à Amazônia, em maio de 2025, eu pretendia revisitar a ilha de Marajó, mas não voltar a Soure. Meu projeto era subir o rio Arari, passar em Cachoeira do Arari, onde fica o Museu do Marajó, e alcançar o lago Arari. Eu estava influenciado pelo romancista Dalcídio Jurandir, cujo romance, “Chove nos campos de Cachoeira”, eu acabara de ler.
Mas, nas minhas pesquisas, acabei descobrindo Afuá, uma pequenina cidade do norte da ilha de Marajó, quase na linha do Equador. Trata-se de uma cidade-palafita. Nela, não mais circulam automóveis. Suas estreitas ruas são frágeis para veículos motorizados de quatro rodas. Não se trata de uma cidade flutuante. Ela está bem fixada sobre pilares. Quando a maré sobe, o nível das águas encobre as estacas. Em marés muito elevadas, a cidade pode ser invadida pelas águas. Por suas estreitas ruas elevadas (algumas foram asfaltadas), circulam pessoas a pé ou de bicicleta.
Afuá é conhecida como “Veneza Marajoara”. É claro que ela não tem a antiguidade da cidade italiana nem seus prédios monumentais. A arquitetura amazônida se adaptou às águas. Ao seu regime de cheias e estiagens. As mudanças climáticas mostram que a palafita é uma ótima solução para cidades que enfrentam enchentes com grande elevação do nível das águas. Os povos nativos da Amazônia criaram a palafita antes da chegada dos europeus. Quem navega os rios amazônicos encontra palafita em todos eles. E não se trata apenas de uma choça. Existem casas belas e funcionais. Existe um estilo arquitetônico amazônida. E este estilo adquire particularidades na ilha de Marajó, estilo que floresce mais ainda em Afuá.
A história de Afuá começa na primeira metade do século XIX. Micaela Arcanja Ferreira, proveniente do Maranhão, instalou-se no norte de Marajó. Em 1870, já havia um núcleo populacional em torno do sítio da maranhense. Naquele ano, Micaela doou terras para que fosse erguida a capela de Nossa Senhora da Conceição do Afuá. Seguindo a hierarquia advinda de Portugal, a freguesia de Afuá foi elevada a vila e, posteriormente, a cidade. O lugar se ressente da falta de documentos que permitam traçar sua história.
Dentro do Brasil, a arquitetura da Amazônia, em grande parte, está adaptada às águas. Dentro da arquitetura amazônida, a do arquipélago de Marajó assume características próprias que afloram nitidamente em Afuá. O material de construção predominante é a madeira, embora existam casas de alvenaria. O colorido dos prédios encanta. Prédios públicos, como prefeitura, câmara municipal, fórum, Ministério Público seguem o estilo das casas particulares e comerciais.
Hotéis (existem poucos em Afuá), padaria (apenas uma), restaurantes (alguns) seguem o estilo. A Igreja de Nossa Senhora da Conceição acompanha o padrão das igrejas católicas. Em apenas uma manhã, percorremos a cidade num bicitáxi, bicicleta adaptada para transportar duas pessoas pela cidade colorida. Existe a parte antiga, com casas maltratadas, e a parte central, mais bem cuidada. A estação hidroviária fica num prédio bonito e colorido. Enfim, Afuá é uma cidade que se destaca na Amazônia e em Marajó. Ao fim da parte mais movimentada, existe uma pista para pouso e decolagem de avião de pequeno porte. Atende a táxi aéreo e não é nada confiável. Além do aeroporto, ergue-se a cidade pobre, também com casas de madeira, mas sem o colorido da parte central. No dia a dia, o transporte é feito por via marítimo-fluvial. Ali, mar e rio se misturam numa escala impressionante.
Saímos num barco a motor de Macapá. Compra-se a passagem numa barraquinha da orla de Macapá. Não se consegue comprar a passagem com muita antecedência. O argumento das duas pequenas empresas que se revezam no transporte é a maré propícia. Este argumento não me convenceu. Com a maré baixa, vê-se o leito do rio Amazonas ou de braços dele, assim como a base de árvores de mangue. Quando a maré enche – e sempre enche na hora de encher – a navegação pode ser feita por transatlânticos.
Assim, o interessado em conhecer Afuá não deve ficar estressado por só poder adquirir passagem na véspera ou no dia da viagem.
Um dia basta para conhecer a pequenina cidade, menor que um pequeno bairro no Rio de Janeiro ou de São Paulo. A literatura sobre o lugar é escassa. Antes de viajar, adquiri e li “Afuá: fragmentos de paisagens e cotidianos”, de Rubens de Andrade, Aldemar Norek, Aldones Nino e Mariana Martins, com fotografias do afuano Eder Furtado (Rio de Janeiro: Paisagens Híbridas, 2016). A cidade foi pretexto para textos pouco informativos. O livro vale mais pelas fotografias.
Retorno a Macapá. Dia de folga. Voo de madrugada para Brasília. Baldeação para o Rio. Veículo motorizado para Campos.









