Ausência não será por causa dos preços da hospedagem, mas pela política energética brasileira que continua priorizando combustíveis fósseis.
Estamos a pouco mais de dois meses da COP30. Às vésperas da primeira conferência do clima a ser realizada na Amazônia, esperava-se que o Brasil, com sua ambição de ser um dos líderes da agenda climática global, fosse uma vitrine de boas práticas e exemplo a ser seguido. Só que a expectativa não corresponde à realidade, cada vez mais “suja” de combustíveis fósseis.
O poço da Petrobras para explorar petróleo e gás fóssil na Foz do Amazonas deverá ser perfurado enquanto o Brasil tenta convencer os países participantes da cúpula do clima da necessidade de se acelerar a transição energética. A licença para a petrolífera abrir o poço no bloco FZA-M-59, no litoral do Amapá, pode sair até o fim de setembro. Será que o poço será apresentado como “case de sucesso climático” no estande que a “líder da transição energética justa” talvez terá na zona verde da COP30?
A Petrobras também poderá apresentar, durante os dias do evento, seus planos de aumentar a produção de petróleo neste ano e também em 2026, como disse sua presidente, Magda Chambriard. Com isso, também ampliará as emissões de gases de efeito estufa e, por tabela, agravará as mudanças climáticas. Investimentos em renováveis? Por enquanto, só no papel ou nas campanhas publicitárias da companhia – e ainda assim, sem ambição ou destaque..
Ainda que se ignore a Petrobras e o Brasil vá adiante em cobrar empenho das nações do planeta por uma transição energética justa, qualquer negociador [ou pessoa em sã consciência] poderia perguntar: “mas qual é o plano do Brasil?”. Pois bem: não há. O Plano Nacional de Transição Energética (PLANTE), que está sob a responsabilidade do Ministério de Minas e Energia (MME), comandado por Alexandre Silveira, é só uma ideia. Não há esboço, desenho, nada. “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu [não] faço.”
Se o Brasil não tem um plano de transição energética, terá mais combustíveis fósseis em sua matriz elétrica por causa de Silveira. Sua pasta autorizou a contratação, com preço acima da média, da eletricidade a carvão gerada pelo Complexo Termelétrico Jorge Lacerda (SC), da Diamante Energia. A empresa tem como acionista Pedro Grünauer Kassab, sobrinho de Gilberto Kassab, presidente do PSD e padrinho político de Silveira. O negócio renderá uma receita anual de R$ 1,89 bilhão pelo menos até 2040, quer entregue energia ou não. E, claro, muito mais gases de efeito estufa e mais crise climática.
Tem mais. No mesmo dia em que os países pan-amazônicos citaram a necessidade de “avançar rumo a uma transição energética justa, ordenada e equitativa” no documento final da cúpula da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), Silveira não se fez de rogado em jogar mais combustíveis fósseis na “fogueira” energética brasileira. O MME publicou uma portaria sobre leilões para contratar reserva de capacidade. Nos dois certames previstos, serão contratadas usinas a gás fóssil, carvão, diesel e óleo combustível, além da energia de algumas hidrelétricas já em operação. A previsão de contratar plantas que usassem biocombustíveis no lugar de combustíveis fósseis foi engavetada. Isso é qualquer coisa, menos transição energética.
Já o aguardado e necessário leilão para contratar armazenamento de energia elétrica em grandes baterias – solução para dar estabilidade à expansão de usinas solares e eólicas no país – foi empurrado para 2026. Estava previsto para junho, mas foi suspenso pelo MME para “aprimorar as regras”. Seria neste semestre, mas o MME pediu à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) o adiamento da análise sobre as regras de armazenamento.
Além disso, há dois anos usinas eólicas e solares do Nordeste estão gerando menos eletricidade do que podem por falta de infraestrutura de transmissão. Além de prejuízos financeiros às empresas, que querem cobrar a perda do governo, ou seja, de nós, consumidores, usinas a combustíveis fósseis estão sendo acionadas para suprir a demanda. Afinal, o “backup” que Silveira quer para as renováveis são grandes e sujas termelétricas a gás e carvão.
Some-se a esse show de horrores fósseis a proposta para o setor de energia na Estratégia Nacional de Mitigação (ENM) do Plano Clima. Natalie Unterstell, Liuca Yonaha e Marta Salomon, do Instituto Talanoa, mostraram que o texto posto em consulta pública abria margem para aumentar as emissões do setor energético brasileiro. As emissões podem subir até 44% somente na geração elétrica. Mesmo no cenário “ambicioso”, o objetivo é não reduzir nada até 2035.
A transição energética brasileira, portanto, deverá passar longe de Belém. Não pelos preços da hospedagem na capital paraense, que ameaçam diminuir delegações ou impedir países de irem até lá. Mas por uma política energética que insiste num desenvolvimentismo do século passado, ignorando a urgência climática que já afeta a vida de milhões de brasileiros com eventos extremos e apostando cada vez mais nos combustíveis fósseis, os maiores responsáveis pela tragédia do clima. Sem uma liderança pelo exemplo, como a presidência da COP conseguirá abordar o fim dos fósseis nas negociações?