Até dez mil anos passados, a humanidade viveu em pequenos grupos, extraindo da natureza o necessário para sua subsistência. Em todos os continentes, esses grupos viviam da coleta, da pesca e da caça dentro dos limites de recomposição dos ecossistemas. Para todos, a natureza era sagrada e protegida por entidades sobrenaturais. Essa atitude começou a mudar quando alguns grupos domesticaram plantas e animais, criando a agricultura e o pastoreio. Esses grupos se fixaram sem deixar as atividades anteriores de todo. Algumas dessas sociedades deram um passo à frente, promovendo a divisão sexual, técnica, social e territorial do trabalho. Nasceram, assim, as primeiras civilizações. Algumas dessas entraram em conflito com a natureza e geraram crises ambientais pela super-exploração dos recursos. Mas foram poucas as que criaram esses conflitos, geralmente reversíveis.
Uma delas, porém, fundou um sistema econômico que consistia em transformar bens de uso em bens de troca. Esse sistema nasceu na Europa ocidental no século XI, durante um período de aquecimento natural do clima, o que propiciou a conquista de pântanos, florestas e terrenos áridos. Pouco a pouco, a produção deixou de se voltar para as necessidades básicas do ser humano afim de produzir bens voltados para o mercado e para o lucro. Muitos produtores fixados ao campo e artesãos perderam seus empregos e se transformaram em trabalhadores assalariados nas cidades. As terras comunais foram cercadas e privatizadas. Os recursos monetários acumulados entre os séculos XV e XVIII foram aplicados na modernização da indústria, dando origem à revolução industrial na Inglaterra.
Antes, no século XVII, a separação progressiva de cultura e natureza teve no filósofo francês René Descartes seu maior pensador. Ele divorciou corpo de mente, razão de emoção, humano de animal. Sustentou que a razão deve se assentar na matemática. É célebre sua frase: “penso logo existo”. Mas só quem pensa matematicamente existe. Assim, a maioria dos humanos europeus, africanos, asiáticos e americanos não existiria filosoficamente. Há quem afirme que Descartes criou essa separação, que concebeu um Universo mecanicista. Na verdade, ele expressou uma concepção difusa que pairava na Europa ocidental. Ele deu corpo aos anseios do mercado, segundo os quais a natureza é uma fonte de matéria e de energia que pode ser explorada em caráter ilimitado, sendo também um depósito de rejeitos do processo produtivo. A aura de sacralização da natureza começou a se dissipar. Ela passa a ser uma coisa a ser explorada e maculada.
Solos, mares, rios, lagos, plantas, animais, ecossistemas são transformados em fonte de energia e de matéria prima. Eles perderam seu valor intrínseco. Agora, só são importantes na medida em que podem ser explorados para a geração de lucros.
Tomemos o caso dos rios. Em todos os continentes, eles eram fonte de água, caminhos de navegação e fonte de alimento. Pairava sobre eles caráter sagrado. Os rios deviam ser respeitados. Eles não eram poluídos. No máximo, pontes eram construídas sobre eles. A civilização da Europa ocidental iniciou um processo de escravização dos rios. Pouco a pouco, eles foram colocados a serviço da economia. Além de fornecerem água para pessoas e animais; além de serem fonte de alimentos; além de pontes que permitiam cruzá-los; além de vias navegáveis, eles passaram a ser depósito de esgoto e lixo sólido. Suas margens foram desmatadas, acelerando o processo de erosão e de assoreamento de seus leitos. A energia gerada por suas águas em quedas e a partir de represas foram aproveitadas para a produção de eletricidade. Posteriormente, os rios foram invadidos por espécies exóticas.
A partir da década de 1970, um novo problema começa a se delinear: as chuvas torrenciais e as ingentes estiagens causadas pelas mudanças climáticas. Elas, por sua vez, provocadas pelo excesso de gases lançados na atmosfera por atividades econômicas. De preferência, as cidades se ergueram às margens dos rios para explorá-lo: água para uso doméstico e empresarial, assim como lançamento de esgoto. Essas cidades cresceram de forma desordenada e não estão preparadas para os fenômenos climáticos excessivos que vêm se tornando mais frequentes dia a dia. Normalmente, os ricos se apropriam dos terrenos mais seguros junto aos rios e empurram os pobres para áreas vulneráveis em encostas e margens. Sem proteção de florestas, há deslizamentos em encostas arrastando casas. Há alagamentos e transbordamentos. Nessas situações, os pobres perdem bens materiais e vidas.
Os rios da região norte-noroeste do estado do Rio de Janeiro não estão fora do mundo. Geralmente com nascente na zona serrana, eles formam bacias completas, ou seja, com foz no mar. É o caso dos rios Itapemirim, Itabapoana, Guaxindiba, Paraíba do Sul, Ururaí e Macaé. De todos, o Paraíba do Sul é o maior e mais afetado. O rio Itabapoana pode ser considerado o segundo.