A instalação de turbinas eólicas no mar é um problema seu

Por Mariana Albuquerque e Gianlucca Gattai para Claudio Dantas

Promessa de energia limpa vem acompanhada de enorme dano ambiental, tarifas mais altas e subsídios 

A Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados realizou nesta semana audiência pública para discutir a Medida Provisória 1304/2025, que regulamenta o marco legal das eólicas offshore e propõe medidas para conter o crescimento dos gastos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).

A energia offshore é gerada em parques no mar, com turbinas instaladas em plataformas flutuantes ou estruturas fixas. A tecnologia mais avançada nesse segmento é a eólica, que aproveita os ventos em alto-mar, permite o uso de geradores maiores e mais potentes e reduz o impacto visual e sonoro nas áreas costeiras.

O encontro foi anunciado como um passo para “transformar o Brasil em potência global” na geração de energia limpa, com promessas de 500 mil empregos e investimentos bilionários. Mas as vantagens não estão claras, diante dos impactos sociais, ambientais e tarifários — a matriz precisaria de subsídios bilionários.

Lobby das energias eólicas avança no Congresso e pode pesar na conta de luz do brasileiro

Foto: Divulgação/Equinor

Um jabuti incluído na Lei das Eólicas Offshores prevê mais de meio trilhão em subsídios para esses parques até 2050, conta que será paga pelo cidadão. A estimativa é de um impacto de 9% na conta de luz, segundo a Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE).

Emendas mantidas no texto determinam ainda contratação obrigatória de termelétricas a gás naturalprorrogação de usinas a carvão e compra compulsória de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) — mesmo sem necessidade de demanda.

“Se o Congresso derrubar os vetos, o marco legal das eólicas offshore, que deveria estimular a transição energética, passará a financiar geração suja e cara”, afirmou Luiz Eduardo Barata, presidente da FNCE.

Durante a audiência, o representante do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) alertou que a medida contraria recomendações técnicas, ao incentivar fontes inflexíveis e mais poluentes.

Segundo o jornalista Leandro Narloch, entrevistado por este site e que é fundador do instituto Árvore do Futuro, criado em 2019 e que prega o “Ecomodernismo”:

“Na Inglaterra — principalmente na Inglaterra, mas também na Alemanha — o governo investiu muito, concedeu muitos subsídios para a energia eólica offshore. E, embora todos digam que a energia eólica é barata, acabou que o sistema elétrico como um todo fica muito caro. Esse é um mito que as pessoas precisam entender em relação à energia solar e eólica”.

De acordo com a ABRACE Energia, associação que representa os grandes consumidores de energia, os “jabutis” da proposta também vão se refletir em produtos e serviços essenciais, representando cerca de 1/4 do orçamento de uma família brasileira. Entre os exemplos estão pão (27,2%), carne e leite (33,3%), caderno (35,9%) e tubos de PVC (24,5%).

Congresso tomado por lobby energético

Nos bastidores, parlamentares relatam que o Congresso foi tomado por negociadores, assessores e representantes de associações setoriais. Entidades empresariais pressionam pela manutenção de subsídios e pela derrubada de vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos chamados “jabutis” incluídos no projeto.

Abegás, ligada às distribuidoras de gás, defende a permanência das térmicas no texto. Já a Abrapch, que representa as pequenas hidrelétricas, chamou a articulação de “lobby do bem”. A Abeeólica, por sua vez, tenta se afastar da polêmica, embora seja o principal setor beneficiado com o novo marco.

Fontes do setor energético dentro do Congresso, ouvidas por este site, afirmam que o mercado “é altamente complexo e permeado por pressões e trocas políticas que pouco refletem as necessidades do consumidor comum”.

“O setor produtivo de energia eólica está satisfeito com a legislação atual, mas o custo cai sobre o consumidor, que paga pela CDE enquanto grupos mais ricos reduzem sua dependência da rede”, disse uma das fontes.
“As grandes geradoras raramente pagam pelos danos provocados por falhas, e o custo acaba diluído nas contas residenciais.”

Como o governo planeja o futuro das eólicas offshore

Lorena Perim, diretora de Programa da Secretaria Nacional de Transição Energética e Planejamento, afirmou, durante a audiência pública, que o Ministério de Minas e Energia (MME) planeja publicar o 1º decreto com regras para a exploração de energia eólica offshore no 1º semestre de 2026, concluindo ainda neste ano a definição de requisitos para investimentos e escolha de áreas.

A meta do governo é alcançar 30 GW de energia offshore até 2050. “No início de 2027, a ideia é que a gente comece já a trabalhar com o portal único de gestão de todo o ambiente de licenças e de pedidos relacionados a eólicas offshore”, afirmou Perim.

Foto: Renato Araújo/Câmara dos Deputados

Segundo a diretora do MME, uma parte essencial da regulamentação é o mapeamento de complexidades ambientais e sociais em áreas com potencial para projetos futuros de offshore. “Não teremos projetos abordando as comunidades no curto prazo, mas o MME entende importante esse estudo para minimizar conflitos e gerar um círculo virtuoso de desenvolvimento”, concluiu.

Já sobre o impacto ambiental, Eduardo Silva, que coordena o licenciamento ambiental de empreendimentos de geração eólica no Ibama, comentou os esforços do instituto em mapear áreas utilizadas por pescadores e comunidades, incorporando essas informações ao planejamento espacial marinho.

“Nem todos talvez tenham noção da magnitude dessas estruturas. São torres de 170 metros de altura, diâmetros de aerogeradores que varrem quase quatro hectares de área. É toda uma movimentação que pode trazer impactos significativos, principalmente para mamíferos aquáticos (baleias, golfinhos e botos) e pescadores na região”, afirmou Silva.

A promessa verde que desmata e encarece

Estudos brasileiros mostram que a implantação de torres eólicas em terra tem provocado desmatamento, erosão e fragmentação de habitats. No Seridó Paraibano, pesquisadores registraram alteração da drenagem e perda de vegetação nativa da Caatinga devido à abertura de estradas e bases de concreto.

Mais de 30% dos parques eólicos e solares no país foram erguidos em terras sem título formal, segundo levantamento da UFPE, o que gera conflitos fundiários e impede compensações ambientais. No Ceará, a comunidade quilombola de Cumbe teve o território cortado por torres e acessos.

“Disseram que Cumbe era o maior produtor de energia eólica em 2009, mas nossa conta de luz nunca foi reduzida”, afirmou João Luís Joventino do Nascimento, o João do Cumbe, em entrevista à Mongabay. “Nada justifica essa invasão que destrói vidas para produzir energia que nem é para nós.”

As offshore e o mundo marítimo

Ambientalistas em todo o mundo acompanham com atenção os impactos ambientais do crescimento das usinas eólicas offshore. Nos Estados Unidos (EUA), a NOAA Fisheries e o Bureau of Ocean Energy Management (BOEM) — agências federais que atuam em conjunto no desenvolvimento de energia eólica em alto mar — monitoram os parques.

Apesar de afirmarem que os parques eólicos não chegam a causar a morte de grandes cetáceos, eles interferem diretamente em seu comportamento, com alterações migratórias, respiratórias e alimentares.

Foto: NOAA Fisheries

Industrialização do mar e risco à pesca artesanal

O avanço das eólicas offshore também preocupa pesquisadores e comunidades costeiras.
Segundo a Mongabay, há 103 projetos aguardando licenciamento no Ibama, totalizando 244,6 GW de potência, dos quais 26 se sobrepõem a áreas de pesca artesanal utilizadas por 340 comunidades tradicionais no Ceará.

“Como podemos industrializar o mar sem saber o que perderíamos ao remover essas áreas produtivas, principalmente para nossa segurança alimentar?”, questionou o pesquisador Eduardo Gorayeb, da Universidade Federal do Ceará.

Estudos internacionais reforçam o alerta. Nos Estados Unidos, pescadores relatam colapso na pesca de lagostas e vieiras após a instalação de parques offshore.

“Ligaram o cabo e não havia mais lagostas”, contou o pescador James ‘Ace’ Auteri ao Public News.
“Espécies como o bacalhau não toleram o ruído de baixa frequência. As lagostas deixam a área por causa dos campos eletromagnéticos dos cabos”, explicou Meghan Lapp, da empresa Seafreeze Ltd.

A especialista Bonnie Brady, da Long Island Commercial Fishing Association, sintetizou o sentimento das comunidades pesqueiras:

“O governo está pavimentando o oceano com aço. Estão matando o mar.”

Falta de fiscalização e comunidades invisíveis

Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte apontam que o licenciamento ambiental segue sem controle efetivo, com estudos financiados pelas próprias empresas e ausência de acompanhamento pós-obra.

Comunidades litorâneas relatam ruído constante, vibração, sedimentos e perda de mariscos em áreas de manguezal.

“Os processos de licenciamento são pouco participativos. O consumidor final banca os incentivos e o risco”, afirmou uma fonte técnica.

Energia cara, sistema frágil

O sistema elétrico nacional enfrenta sobrecarga e risco de apagões.

ONS reconheceu, em nota técnica, limitações no monitoramento e nas previsões de geração solar e eólica. O crescimento desordenado das fontes renováveis — especialmente da geração distribuída, como painéis solares em telhados — complica o equilíbrio da rede.

O apagão de 14 de outubro, provocado por um incêndio na subestação de Bateias (PR), expôs a vulnerabilidade da infraestrutura. “O sistema agiu como um airbag, evitando o colapso total. Mas ninguém quer depender de airbag”, disse Donato Silva, engenheiro da Volt Robotics.

Segundo o professor Fernando Ramos Martins, da Unifesp, “a falta de dados e a previsão deficiente de carga comprometem a confiabilidade do sistema”. Ele defende investimentos em redes inteligentes e modernização da regulação.

Narloch também alerta para os custos e desafios da operação das eólicas offshore:

“O custo de manutenção, geralmente, é alto. As turbinas têm uma caixa de engrenagens muito complexa e um sistema eletrônico igualmente complexo para transformar o movimento em energia, que frequentemente apresenta falhas. Quando isso ocorre em turbinas no alto mar, o custo de manutenção sobe bastante. Se uma turbina deixa de gerar, é necessário levar um equipamento muito caro, multimilionário, até lá, além de um operador que precisa subir cerca de 50 metros para resolver o problema”.

Ele ainda destaca:

“Como aconteceu na Espanha, no blackout de alguns meses atrás, com a energia solar, quando há uma oscilação muito alta de frequência, o sistema todo pode apagar, e leva algum tempo — digamos, uma hora ou mais — para voltar ao normal. Nesse período, há risco para pessoas dependentes de equipamentos médicos. Essa é, portanto, uma dificuldade apontada para sistemas baseados apenas em energia solar e eólica: a questão da inércia”.

O pagador de impostos no centro da conta

Fontes do setor afirmam que o consumidor está pagando duas vezes pela energia — na conta de luz e no preço dos produtos, já que cerca de 30% do custo do pão, por exemplo, está ligado à energia.

“O presidente da comissão tenta sensibilizar os parlamentares para parar de cavar o buraco em que estamos nos enfiando, porque essa conta está cada vez mais alta e vai explodir para todo mundo”, disse uma das fontes em off.

Há também interesses privados entre parlamentares ligados à geração distribuída, que lucram com os incentivos enquanto repassam custos ao contribuinte.

Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil

“Os projetos de energia são aprovados pelo que têm de ruim, não pelo que têm de bom, e nós, que representamos os consumidores, tomamos na cabeça”, afirmou outro interlocutor.

Entre o discurso verde e o custo social

Atualmente, o Brasil se aproxima de um ponto decisivo. Às vésperas da COP30, o país se vende como modelo de transição energética, mas as contradições se acumulam: subsídios bilionários, danos ambientais, conflitos fundiários e aumento da tarifa. O que parece solução se revela como um problema ainda maior que o alegado sobre os combustíveis fósseis, que seguem como matriz mais barata e de menor impacto ambiental.