A paisagem é brutal. Um paredão rochoso de areia branca de onde prosperam com resiliência um campo de canelas-de-ema e por debaixo delas uma variedade de plantas rasteiras e arbustivas. Muitas exibem flores que contrastam a cena com suas cores e delicadezas. Aos pés delas está uma mineradora abandonada no meio da sua tentativa de devorar a montanha. A refeição interrompida após uma denúncia poupou um dos últimos campos rupestres de Juiz de Fora, em Minas Gerais, e com ela espécies únicas de plantas ameaçadas e outras até então desconhecidas pela ciência. Agora pesquisadores e ambientalistas correm para garantir a proteção permanente deste refúgio de um dos ecossistemas mais antigos do país.
A área em questão fica no Vilarejo de Pires, a cerca de 30 quilômetros do centro de Juiz de Fora, numa propriedade rural batizada de Sítio Montanha. Para chegar lá, é preciso percorrer uma estrada de terra sem nome. E é assim, sem placa e sem aviso, que a paisagem de montanhas suaves, umas poucas áreas de floresta e outras tantas de pastos é interrompida pela aparição inesperada do fragmento de campo rupestre, completamente diferente do seu redor.

“Aquilo é uma joia encontrada ali”, resume a botânica e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fátima Salimena, especialista em campos rupestres. “Apesar da área ser muito pequenininha, ela repete aquele mosaico de campo rupestre, tem uma floresta de grota, tem caverna, tem nascentes, a área é fantástica! E nessas idas que a gente fez, todas muito rápidas porque não podíamos coletar o material, nós conseguimos identificar por alto mais de 50 espécies”, conta a pesquisadora, que acredita que o local abriga inúmeras espécies únicas de plantas, que só vivem ali.
A botânica integrou uma visita de reconhecimento na área junto com outros pesquisadores em abril de 2023, como parte do diagnóstico científico para o Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica de Juiz de Fora, com o objetivo de orientar a prefeitura sobre políticas para proteção da vegetação e biodiversidade nativas da região.
Bastaram duas campanhas de reconhecimento na Serra do Pires, apenas com registros fotográficos, para que os pesquisadores descobrissem pelo menos duas novas espécies no local, uma de sempre-viva e outra de canela-de-ema, e indicassem a área como grau máximo de prioridade para conservação no plano municipal.
Campos rupestres são ecossistemas marcados pela vegetação arbustiva, com plantas que não costumam passar dos dois metros de altura, que se desenvolvem em afloramentos rochosos acima dos 700 metros de altitude. Essas condições, inóspitas para a maioria das espécies, favorecem a ocorrência de espécies únicas, adaptadas evolutivamente ao longo de milhares de anos para prosperar nessas áreas de solo raso e pobre em nutrientes. Tipicamente associados ao Cerrado, existem porções de campo rupestre em diferentes biomas do Brasil, como na Mata Atlântica, Caatinga, Pantanal e até na Amazônia.
Até então, a Serra do Pires estava fora do radar dos cientistas, mas a especialista em campos rupestres lembrou de ter passado pela área há 15, talvez 20 anos, e, mesmo de longe, ter ficado impressionada. “Da estrada você já vê a formação, porque ela tem uma dominância de um tipo só de planta, como se fosse uma plantação de canela-de-ema, o que é muito particular. E quando voltamos lá, eu lembrei na mesma hora da paisagem, só que chegando perto, veio o choque, porque você vê a mineração, o quartzito, aquela areia branca, escavada na montanha”, lembra Fátima.

A Serra do Pires pode ter sido formalmente “descoberta” pelos pesquisadores somente em 2023, mas a mineração já sabia dela desde 2017, quando começou a exploração de areia e quartzito industrial pela empresa TR4 Mineral Log Ltda, feita com o sinal verde do órgão ambiental estadual.
“Os campos rupestres são ambientes ameaçados por diversos usos do solo, em especial mineração. E quando nós chegamos no Pires, nós nos deparamos com essa realidade. Uma área que não era inventariada, não era devidamente conhecida pela ciência, mas já sobre franca extração da areia para fabricação de vidro”, lembra a consultora ambiental Kelly Antunes, que também participou do diagnóstico.
A bióloga é parte da equipe da ONG Programa de Educação Ambiental (PREA), que tem liderado as articulações em prol da proteção da área e que fez a denúncia ao Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF-MG).
A denúncia resultou em sete multas, no valor de R$170 mil, na suspensão da atividade minerária e no cancelamento da licença ambiental do empreendimento em julho de 2023.
Um ano e meio depois, em novembro de 2024, a visão ainda é praticamente a mesma encontrada pelos pesquisadores. Da estrada, por detrás de uma nuvem de chuva, surge a encosta dominada pelas canelas-de-ema. E abaixo dela, a mineradora. Dessa vez, entretanto, é como se estivéssemos numa cena em suspenso, com maquinários abandonados, o silêncio e ausência de qualquer viva alma.

No entorno há apenas um punhado de casas, a maioria sítios de final de semana. Em uma delas, conseguimos a indicação para a casa de Geraldo Veludo, que mora há mais de 30 anos na região. Conversando com o proprietário, pergunto sobre a área da mineradora que supostamente teria plantas únicas. “Lá não tem nada de planta especial, não tem uma madeira, nem gado anda ali”, rebate imediatamente.
A visão de Geraldo reflete a de outros que falham em entender o valor ecológico dos campos rupestres. Eu, entretanto, aproveito a deixa e peço para poder entrar na área para documentar, “para que não reste dúvidas”. O proprietário nem hesita, “claro” e indica um funcionário para nos acompanhar.
Se da estrada, a uns 500 metros do sopé da encosta, a paisagem já era brutal, dentro dela, pisando a areia branca de quartzo triturado, com montes empilhados aqui e ali, o impacto é ainda maior. De perto é possível ver o buraco aberto aos pés da montanha.
“Diziam que ia levar uns 20 anos pra tirar tudo aqui”, fala de repente o funcionário enquanto me vê olhando curiosa para a área de extração interrompida.
De acordo com o licenciamento, a previsão do empreendimento era extrair 49,5 toneladas por ano de minério. Não há informação disponível de quanto do morro já foi triturado até virar areia e ser vendido para construção civil ou para indústria de vidros, os dois principais consumidores dessa matéria-prima.
A encosta é íngreme e o solo se esfarela enquanto subimos para sair da área já impactada pela mineração e chegar nas canelas-de-ema. De perto é possível ver que várias delas trazem os caules carbonizados, num vislumbre de outra ameaça a essa vegetação sobrevivente: os incêndios. Em 2024, o município de Juiz de Fora acumulou 43 focos de calor, de acordo com o monitoramento de queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
“Tem muitas plantas que vivem lá que provavelmente não têm tolerância ao fogo. Mesmo as que têm alguma tolerância no geral, como a canela-de-ema, normalmente é para fogos muito esparsos, a cada dez anos ou períodos ainda maiores. E os incêndios causados pelo homem podem diminuir a capacidade dessas plantas sobreviverem”, explica o botânico João Lobo.
Em agosto de 2023, o PREA submeteu um ofício à prefeitura com o apelo para “que se inicie com urgência a análise para a criação de unidade de conservação, buscando caminhos para viabilizá-la com a realização dos estudos prévios, consultas públicas e demais atos necessários”.
“Estamos nos movimentando para garantir a preservação desse lugar para as gerações futuras, para pesquisa, educação ambiental. O lugar é completamente diferente do entorno e para manter um meio ambiente ecologicamente equilibrado precisamos preservar esses hotspots, onde encontramos em duas idas, duas espécies novas. Imagina se a ciência tiver a oportunidade de acessar esse lugar mais frequentemente?”, conta outro integrante do PREA, o advogado e botânico Leonardo Lima.
A exploração de quartzo começou em 2017 e previa a extração anual de 49,5 toneladas por ano. Vídeo: João Marcos Rosa
Do licenciamento à suspensão
A área começou a ser explorada pela mineração em 2017, quando a empresa TR4 Mineral Log Ltda recebeu o sinal verde do órgão ambiental estadual inicialmente por meio de uma Autorização Ambiental de Funcionamento (AAF), processo mais simples e rápido para empreendimentos considerados de impacto ambiental “não significativo”. A área de exploração, definida em 216 hectares, tinha como objetivo a extração de areia e quartzito industrial.
Em 2021, a empresa renovou a regularização, dessa vez por meio de um Licenciamento Ambiental Simplificado. O processo, que pode ser realizado eletronicamente, consiste numa única fase, mediante apresentação de um relatório ambiental simplificado, que é analisado por técnicos do órgão ambiental que indicam – ou não – sua aprovação.
O primeiro parecer técnico sobre a licença à mineradora, emitido em maio de 2021, sugeriu pelo indeferimento devido à sobreposição da área de exploração com “vegetação do tipo refúgio e via de acesso parcialmente em APP [Área de Preservação Permanente]”.
Um mês depois, um novo parecer indicava a proposta do empreendedor em reconstituir a flora na APP, mantendo apenas a passagem do gado e acesso à propriedade do dono do imóvel. Além disso, foi informado que “não estão previstas intervenções ambientais, nem supressão de vegetação nativa” e que o refúgio vegetacional não seria afetado pela exploração, “não estando prevista no projeto a expansão da lavra para a parte superior do local”. Dessa forma, a licença foi concedida, com vigência de 10 anos, para lavra a céu aberto e unidade de tratamento de minerais a seco.
Dois anos depois, em julho de 2023, a partir da denúncia, os fiscais do IEF foram ao local e constataram diversas irregularidades e inconsistências entre o que havia sido declarado no processo de licenciamento e o que estava, de fato, sendo feito na Serra do Pires. Como o desmate irregular de 1,32 hectares, a intervenção na área de APP que dificulta ou impede a regeneração natural e o tratamento de minerais à “úmido” e não seco, como indicado.

Ao todo, o auto de infração inclui sete multas por danos ambientais, no valor de R$170.247,22, a suspensão de atividades, a ordem de demolição de obras irregulares e o cancelamento do certificado de licenciamento ambiental simplificado.
De acordo com consulta feita ao Portal da Transparência do Meio Ambiente de Minas Gerais pouco antes da publicação desta reportagem (09/03/2025), o débito segue em aberto.
Entre as infrações listadas no auto (nº 318820/2023) estão violar ou apresentar informação ou relatório ambiental total ou parcialmente falso, enganoso ou omisso; instalar ou operar atividade efetiva ou potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente sem a devida licença ambiental; e explorar, desmatar, extrair, danificar ou provocar a morte de florestas e demais formas de vegetação de espécies nativas, sem licença ou em desacordo com a autorização concedida pelo órgão ambiental.

((o))eco entrou em contato com o IEF-MG, responsável tanto pelo processo de licenciamento ambiental simplificado do empreendimento quanto pelo posterior auto de infração e suspensão da atividade para esclarecimentos, mas não houve retorno até o fechamento desta edição. O espaço segue aberto.
A reportagem também buscou o contato com a mineradora TR4, porém os únicos contatos telefônicos cadastrados pela empresa pertencem a um escritório de contabilidade que, ao ser questionado por ((o))eco sobre o número da mineradora, informou não fazer a contabilidade deles “há uns dois anos”.
Em campo, ((o))eco também tentou – sem sucesso – ir atrás de um dos responsáveis pela mineradora que moraria na região, mas de acordo com um comerciante local, ele não é visto por ali há mais de um ano.
Proposta de unidade de conservação municipal
Em novembro do ano passado, a então vereadora Tallia Sobral (PSOL-MG) escutou o apelo dos ambientalistas e apresentou o Projeto de Lei nº 174/2024, que cria a “unidade de conservação de Pires”. A proposta não especifica o tipo de UC, algo que deve ser apontado por meio da elaboração de um diagnóstico técnico e audiências públicas.
“É uma região que tem a mineração, apesar dela estar inativa agora, mas há possibilidade de ser retomada, e o entorno já é marcado pelo desmatamento. E essa é uma vegetação que não se recupera depois de atingida. A categoria [da unidade de conservação] ainda vai ser debatida e definida, mas queremos que aquela área seja preservada, que não permita o avanço de nada que não seja a preservação”, explica Tallia.
Apesar de não se reeleger, Tallia conta que articulou com parlamentares aliados, em particular com a vereadora Cida Oliveira (PT-MG) para dar sequência ao processo de tramitação.
“A Serra do Pires é uma das áreas prioritárias apontadas pelo diagnóstico pro Plano Municipal da Mata Atlântica e nós entendemos que havia uma urgência, não dava para esperar a aprovação do plano e por isso trouxemos essa proposta que institui uma unidade de conservação”, destaca a professora e ativista. “E mesmo não sendo mais vereadora, já me coloquei à disposição para seguir fortalecendo essa pauta e dando visibilidade”, acrescenta Tallia.

Plano Municipal da Mata Atlântica
O levantamento que jogou luz sobre a importância ecológica das áreas campestres faz parte do esforço para construção do Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica de Juiz de Fora – conforme estabelecido pela Lei da Mata Atlântica aos municípios inseridos no bioma.
O diagnóstico técnico-científico, feito em convênio com os pesquisadores da UFJF, foi entregue em maio de 2023 à prefeitura e contém a indicação das áreas prioritárias para conservação no município.
De acordo com a secretária municipal de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas de Juiz de Fora, Aline Junqueira, a expectativa é que o plano seja homologado na próxima reunião do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (CONDEMA), prevista para esta terça-feira (11).
“O Plano Municipal da Mata Atlântica é composto pelo diagnóstico e pelo plano de ação, que é sugerido a partir do levantamento. Isso foi apresentado ao CONDEMA e aprovado no final do ano passado, mas havia uma série de ações que já estavam sendo desenvolvidas pelo município. Então é necessário que a gente atualize e homologue o plano, o que será feito na primeira reunião do CONDEMA”, adianta a secretária, em entrevista a ((o))eco.

Entre os objetivos do plano de ação, conforme adiantou a secretária, está o fortalecimento da gestão ambiental, o que inclui a atualização e ampliação da legislação ambiental, com base no diagnóstico do Plano Municipal da Mata Atlântica; e a criação de unidades de conservação pública, especialmente em áreas periurbanas (rurais). Com destaque para recomendação da criação da UC no vilarejo do Pires, “com a presença de campo rupestre em área de formação quartzosa que, apesar de já haver projeto de lei tramitando na Câmara, ainda requer estudos mais detalhados, e participação da comunidade”.
Aline esclarece que o diagnóstico é apenas uma primeira etapa, no que diz respeito à proteção da Serra do Pires, que servirá de base para o planejamento de novas ações. “Para você criar uma unidade de conservação é necessário estudo técnico, uma consulta popular, até para saber que tipo de unidade ela vai ser. Até porque envolve uma área particular. E precisamos considerar o nosso plano diretor e a vida das pessoas ao redor”, reforça a secretária.
“É uma área muito importante para o município e que é necessária preservar, mas precisamos desse diálogo e de um conjunto de esforços que vai além da administração”, acrescenta.
As novas espécies
O pequeno fragmento de campo rupestre na Serra do Pires guarda moradores ilustres. Ainda pouco estudado, pelo menos duas novas espécies de plantas já foram identificadas no local.
Uma delas é uma pequena sempre-viva, que mede entre 29 e 43 centímetros, batizada pela ciência de Paepalanthus salimenae, numa homenagem à professora Fátima por seu empenho em pesquisar e proteger os campos rupestres. A descrição da planta foi publicada em artigo no periódico Phytotaxa, em julho de 2024, assinado por um time de sete cientistas.

Em sua análise, eles sugerem que a espécie seja classificada como Criticamente Em Perigo de extinção, já que ocorrem somente em remanescentes de campo rupestre localizados em duas propriedades particulares no município de Juiz de Fora. Além do Pires, a sempre-viva também foi encontrada no distrito de Toledo, distantes cerca de 8 quilômetros uma da outra, mas igualmente ameaçadas pela mineração e pelo pisoteio do gado, respectivamente.
“Dado o número limitado de subpopulações conhecidas que habitam esse habitat frágil em propriedades privadas – um campo usado para pasto e a área de uma empresa de mineração – ações urgentes de conservação são necessárias para proteger Paepalanthus salimenae”, alertam os cientistas em trecho do artigo.
A Serra do Pires é considerada pelos pesquisadores um areal ultra biodiverso, com enorme variedade de espécies de plantas com ocorrência restrita a este tipo de ambiente e a dominância de uma espécie única de canela-de-ema, numa paisagem considerada rara até mesmo entre campos rupestres.
A planta que domina a encosta é apontada como uma espécie nova. A descoberta ainda está em processo de descrição formal para ciência. Uma das peculiaridades são suas folhas, que ao invés de serem espetadas, como é típico do gênero, formam uma cabeleira, parecida com uma palmeira.
“Nossa conclusão foi baseada em caracteres robustos para a taxonomia da família, por exemplo, na morfologia das folhas e frutos, além da anatomia foliar”, apontam a botânica Andressa Cabral e o biólogo Carlos Alberto Ferreira Júnior, que lideram o artigo científico com a descrição da nova espécie que está sendo preparado. “Se faz crucial a conservação da área o mais rápido possível, pois a nova espécie foi registrada apenas para área onde está ocorrendo a mineração. Deste modo, a nova espécie possui uma população micro-endêmica e altamente ameaçada. Os efeitos negativos da mineração serão imensuráveis para o ecossistema da área, e muito provavelmente irão resultar na extinção da nova espécie de Velloziaceae”, detalham os pesquisadores em declaração conjunta.

Espécies de desenvolvimento lento, as canelas-de-ema crescem em média apenas um centímetro ao ano, o que reforça o caráter ancião da vegetação no Pires, provavelmente constituída por indivíduos com mais de cem anos de idade, apontam os botânicos.
“Essa área é tão sensível e tão ameaçada. Com apenas duas campanhas, descobrimos duas espécies novas e novas ocorrências de espécies registradas em Juiz de Fora. É uma área que merece ser melhor investigada e por isso foi indicada no diagnóstico como prioritária para conservação”, destaca a consultora ambiental do PREA, Kelly Antunes.
Nas duas idas à Serra do Pires foram registradas ainda outras espécies relevantes para flora, como a Barbacenia tomentosa, que também pertence à família das canelas-de-ema; o arbusto de flores vermelhas Vanhouttea hilariana, com ocorrência restrita à Minas Gerais e registrada pela primeira vez em Juiz de Fora; e da orquídea Cattleya crispata, exclusiva dos campos rupestres mineiros e também documentada pela primeira vez no município.
“Várias outras espécies foram encontradas neste pequeno refúgio vegetacional (…), destacando a necessidade de estudos desta flora peculiar. As espécies necessitam ser analisadas para identificação e avaliação de status de conservação de acordo com a ocorrência e distribuição geográfica detectando casos de endemismos ou novas espécies”, aponta trecho do laudo sobre a vegetação no Vilarejo de Pires elaborado pelo PREA em julho de 2023.
A botânica Fátima Salimena apelidou a Serra do Pires de “mini Ibitipoca”, uma referência à região, localizada a cerca de 40 quilômetros ao noroeste dali, famosas por seus campos rupestres em meio à Mata Atlântica. “É uma formação isolada, uma montanha pequena que tem ali uma quantidade enorme de espécies de plantas, provavelmente com muitas espécies endêmicas e novas para ciência”, destaca a pesquisadora da UFJF.

Desafios à conservação dos campos rupestres
Como outras áreas campestres nativas, um dos maiores desafios é, justamente, que os campos rupestres sejam reconhecidos por sua relevância ecológica e ambiental. Até mesmo por imagens de satélite podem ser confundidos como pastagens e uso agropecuário – o que acontece, por exemplo, na análise de uso e cobertura do solo do MapBiomas sobre a área do Pires.
“Eu rodo bastante por essas áreas de campo rupestre e o que a gente vê é uma devastação dessas áreas, que são as mais ricas em flora que nós temos no Brasil. Com menos de 1% de cobertura no país, eles abrigam quase 20% de todas as espécies de plantas do território brasileiro. É uma riqueza fantástica. E essa área no Pires, por si só, configura um patrimônio fantástico ambiental que o município deve resguardar”, defende a botânica Fátima Salimena.
Por estarem fortemente associados aos afloramentos rochosos, os campos rupestres estão comumente na mira da mineração.
“No Quadrilátero Ferrífero, a maioria dos afloramentos de campos rupestres é sobre rochas ferruginosas, que são os ambientes mais raros e ameaçados. E até uns 20 anos atrás era raro exploração de quartzito para fins que não fossem pedras ornamentais. No caso do Pires, em Juiz de Fora, é um tipo de quartzito diferente, que é esfarelado, que forma o que é chamado de cascalhal ou areal. Ela não serve para fins ornamentais, mas nas últimas duas décadas tem se expandido a busca por essa areia de quartzo, que é muito pura, para produção de cristais de vidro de alta qualidade. Isso mostra uma nova face da mineração no Brasil”, explica o botânico João Lobo.
Ele reforça ainda a dificuldade de tentar recuperar essas áreas de campo rupestre impactadas. “Mas uma coisa importante de criar a unidade de conservação é impedir, claro, que a mineração continue naquela área. E segundo pensar num plano de manejo que impeça a entrada de espécies exóticas invasoras. Porque uma vez que o campo rupestre é perturbado, a chance dessas invasoras entrarem é muito alta”, alerta o pesquisador.
