Martinho Santafé
Mais duas mortes agora à noite na Zona Norte do Rio – uma mulher e uma criança -, durante troca de tiros entre policiais militares e traficantes. Segundo versão da própria PM, uma patrulha da UPP avistou um jeep com traficantes fortemente armados e iniciou a perseguição, ignorando, obviamente, que na área estavam cidadãos desarmados, tentando se divertir na noite de sexta-feira.
Essa é a polícia do Rio – uma mistura de coragem voluntariosa, corrupção endêmica e incompetência estrutural – que a vereadora Marielle Franco tanto criticava e que agora, depois de morta, está sendo vítima de preconceitos velados no universo virtual das redes sociais.
Alguns chegam a se “indignar” com a retumbante repercussão de sua morte aqui e no mundo inteiro, quando – argumentam – “mais de 120 policiais foram assassinados em 2017”. Pergunto: esses mesmos “críticos indignados” fizeram algum tipo de protesto contra a morte desses policiais? Certamente que não, pois, na verdade, estão apenas alimentando o seu preconceito reprimido, aproveitando um evento trágico para expressar sua “indignação” seletiva. A hipocrisia é, antes de tudo, oportunista.
O covarde e brutal assassinato de Marielle e do motorista Anderson Gomes não foi um crime “comum”, embora nenhum crime não seja nem comum, nem justificável. Ela morreu porque era um símbolo da luta contra o preconceito e a desigualdade: era mulher, negra, favelada, ativista política e comunitária, lésbica, libertária e bem humorada. Foi eleita democraticamente, um fato agravante para as mentes totalitárias. Enfim, encarnava o oposto dessa sociedade historicamente patriarcal, patrimonialista, corrupta, violenta, racista e preconceituosa, mas envolta em uma embalagem fake da cordialidade “bossa nova”.
Marielle morreu por suas virtudes, as mesmas que os cidadãos de bem desejam para este país partido e traumatizado. E por isso teve repercussão no mundo inteiro, como tiveram os assassinatos também brutais de Chico Mendes e da Irmã Dorothy Stang, heróis da Amazônia.
Marielli, heroína dos becos e vielas de um Rio “off cartão-postal”, não era só uma cidadã, uma vereadora e uma ativista. Era, também, uma bela e charmosa encarnação da utopia possível.
E nenhuma bala roubada nas mãos de um miliciano qualquer será capaz de assassinar a utopia!