Decisão liminar suspende a licença ambiental do Projeto Longo Prazo da Samarco, em Mariana e Ouro Preto

Por Marcos Pędłowski

Iniciativa de moradores de Bento Rodrigues resulta em decisão que impede a ampliação da mineração no mesmo local do rompimento da barragem de Fundão. Pela primeira vez, um projeto de mineração em Minas Gerais é paralisado pelos riscos da emergência climática

Moradores de Bento Rodrigues obtiveram nesta sexta-feira, 19.12.2025, decisão liminar que determina a imediata suspensão dos efeitos da licença ambiental concedida pelo Estado de Minas Gerais para o projeto Longo Prazo da Samarco Mineração S.A.. Na prática, a decisão impõe a imediata paralisação do empreendimento.

A decisão foi proferida pela Juíza Federal de Ponte Nova, Dra. Patricia Alencar Teixeira de Carvalho, na ação popular 6001877-67.2025.4.06.3822, após parecer do Ministério Público Federal, de autoria do Procurador da República Lauro Coelho Junior, favorável ao pedido dos autores populares. Esta é a primeira vez que um projeto de mineração em Minas Gerais é paralisado por uma decisão judicial que reconhece os riscos trazidos pelos eventos extremos climáticos, cada vez mais frequentes porém ignorados pelo licenciamento ambiental.

A ação judicial foi proposta em 26 de junho deste ano e tem como autores moradores de Bento Rodrigues – distrito de Mariana devastado pelo rompimento da barragem de Fundão – representados por advogados da equipe de litígio em Direitos Humanos do Instituto Cordilheira, organização não governamental com sede em Belo Horizonte. Os pedidos dos autores se baseiam em precedentes de tribunais de outros países e em notas técnicas de especialistas vinculados ao Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Conflitos em Territórios Atingidos (CONTERRA/UFOP), ao Fórum Permanente do Rio São Francisco (FPSF) e à instituição Environmental Law Alliance Worldwide (ELAW), com sede nos Estados Unidos.

De acordo com a decisão, o Estado de Minas Gerais deverá exigir da Samarco estudos complementares “que incorporem as análises de risco, vulnerabilidade e adaptação climática”, contemplando “(i) Modelagens Hidrológicas e Geotécnicas que integrem cenários de eventos climáticos extremos”; “e não apenas dados históricos, para o período projetado de operação e pós-fechamento das estrutura”; “(ii) Inventário e Avaliação de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), e a aferição do impacto do empreendimento sobre as metas de mitigação nacionais e internacionais”; e “(iii) Medidas de Adaptação que demonstrem a resiliência das estruturas PDER-M, PDER-C e SDR Alegria Sul 2 face aos riscos climáticos futuros”. Essas estruturas são as duas pilhas de estéril e o sistema de disposição de rejeitos úmidos que fazem parte do projeto.

Segundo Mônica Santos, moradora de Bento Rodrigues: “a suspensão da licença do Projeto Longo Prazo da Samarco é uma conquista diante de um crime que segue sem reparação. Quem destruiu vidas e territórios não pode avançar sem garantir a não repetição. Os estudos apresentados ignoram as ações de enfrentamento à crise climática e os riscos que ela impõe, tratando o licenciamento como mera formalidade. Autorizar a expansão da Samarco nessas condições é legitimar a impunidade. Não há licença, sem garantias reais de não repetição e sem respeito aos direitos dos atingidos e a preservação dos territórios de origem”.

Para o advogado Guilherme Souza, que representa os autores da ação: “essa liminar é um marco da justiça climática e uma vitória para Bento Rodrigues, Camargos e para todos os atingidos do Quadrilátero Aquífero Ferrífero. O Judiciário deixou claro que não é admissível analisar e autorizar empreendimentos de alto risco sem enfrentar, de forma séria e científica, os efeitos das mudanças climáticas. É inaceitável que a Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, tente justificar a continuidade do Projeto Longo Prazo alegando que sua paralisação comprometeria as reparações do crime da barragem de Fundão, utilizando uma tragédia que matou pessoas e destruiu comunidades para legitimar novos riscos. Justificar licença ambiental com base na morte e no sofrimento de milhares de atingidos é um escárnio. Após Mariana e Brumadinho, essas mineradoras afirmam que aprenderam, mas na prática retornaram piores, reproduzindo uma lógica colonial, indiferente à vida, ao território e à ciência, agora com o agravante de estarem sendo amparadas pelo próprio Estado de Minas Gerais, deixando claro os autores e partícipes desse processo”.

Digno de destaque é o seguinte trecho da decisão judicial:

“Ressalte-se, ainda, a inequívoca legitimidade e o interesse jurídico dos autores populares, cidadãos diretamente atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, integrantes de comunidades que até hoje vivenciam os efeitos sociais, econômicos, ambientais e psicológicos da maior tragédia socioambiental da história do país. Não se cuida, portanto, de atuação abstrata ou dissociada da realidade fática, mas de exercício concreto da cidadania por aqueles que suportaram — e ainda suportam — as consequências de um modelo de exploração mineral que falhou gravemente no passado. É legítimo, sob a ótica constitucional, que tais cidadãos questionem a concessão de uma licença ambiental de largo espectro antes mesmo de integralmente reparados os danos decorrentes do desastre anterior, especialmente quando o novo empreendimento se desenvolve na mesma região e sob condições que suscitam riscos extremos, inerentes à própria atividade minerária”.

Sobre o Projeto Longo Prazo da Samarco (PLP) e seus riscos à segurança

 O PLP prevê a ampliação da mineração no Complexo Germano, situado em Mariana e Ouro Preto: duas novas pilhas de estéril e rejeito, ampliação da pilha já existente, depósito de rejeito em cava confinada e instalação de estruturas para transportadores de correia de longa distância. Ele teve sua licença ambiental aprovada pelo Conselho de Política Ambiental (COPAM), da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais, em junho de 2025.

Conforme mapas inseridos abaixo, o tamanho das novas pilhas, conjugadas às estruturas já existentes no território, podem agravar os danos em caso de deslizamentos, sendo difícil prever o real impacto sobre as comunidades e o ambiente. As comunidades do entorno do projeto – Camargos, Santa Rita Durão, Bento Rodrigues (território de origem) e Novo Bento Rodrigues (reassentamento) no município de Mariana; Antônio Pereira, em Ouro Preto; e Morro d’Água Quente, em Catas Altas – não foram devidamente informadas sobre o processo e correm o risco de terem novamente suas vidas impactadas.

Essas estruturas impactam comunidades anteriormente atingidas pelo desastre da barragem de Fundão, violando a legislação internacional da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que prevê o direito e garantia à não-repetição de danos às comunidades e territórios atingidos.

Com relação à pilha de estéril e rejeito PDER M, proposta no entorno imediato de Bento Rodrigues (território de origem) e também muito próxima do Novo Bento Rodrigues (reassentamento coletivo), de acordo com nota técnica do Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Conflitos em Territórios Atingidos (CONTERRA/UFOP): “a implantação seria em três etapas, totalizando uma altura final de 221m e volume final de 61.398.759m3. Está a montante do Dique S3, ou seja, um desabamento da pilha pode afetar a estabilidade desta estrutura que, por sua vez, está a montante de Bento Rodrigues e do Dique S4, podendo resultar em novo desastre em cadeia”.

Fundamentos da ação popular

 A Ação Popular parte da premissa de que a Samarco – autora do projeto – e o Estado de Minas Gerais – que o licenciou – foram negligentes ao não considerar os impactos das mudanças climáticas e dos eventos extremos – especialmente a alteração nos regime de chuvas – sobre as barragens (durante os 11 primeiros anos de funcionamento do empreendimento) e as pilhas de estéril e rejeito para o armazenamento de materiais provenientes do processo de extração mineral.

No texto da Ação Popular, os autores pedem novos estudos técnicos criteriosos, que levem em conta os riscos reais ao meio ambiente e aos moradores do entorno, argumentando, inclusive, que os custos desses novos estudos são irrisórios frente aos lucros que a Samarco prevê angariar com o projeto.