“O sistema alimentar do século 21 terá que ser muito diferente do que foi no século 20″

Segundo Arilson Favareto, os meios de aumento da produção no século passado levaram à padronização e à simplificação da produção alimentar, acabando por gerar a monotonia alimentar

É necessária a mudança urgente de sistemas alimentares convencionais e predatórios para modelos mais sustentáveis, justos e resilientes, focando na agroecologia – Foto: Flávio Gandara/Esalq

Por Henrique Giacomin para “Jornal da USP”

A insustentabilidade dos sistemas agroalimentares vigentes se torna cada vez mais visível. Uma das principais evidências está em como os eventos climáticos extremos estão causando prejuízos na produção agropecuária. Segundo Arilson Favareto, da Cátedra Josué de Castro, “já começamos uma transição, mas é típico em situações de transição essa convivência entre o velho e o novo”.

transição agroalimentar refere-se à mudança necessária e urgente de sistemas alimentares convencionais e predatórios para modelos mais sustentáveis, justos e resilientes, focando na agroecologia, na diversidade de alimentos e na redução do impacto ambiental e social. A transição agroalimentar é tema-chave em discussões climáticas globais, e uma estratégia importante na busca pelo equilíbrio entre produção, consumo e preservação.

Arilson Favareto – Foto: Reprodução/Cátedra Josué de Castro

Entre o novo e o velho

“O novo começa assim, com inovações localizadas, ilhas de novas práticas, nichos que vão surgindo, cercados por um mar de formas convencionais”, diz Favareto. Segundo o professor, questões como o uso de bioinsumos na agricultura tendem a crescer, não devido à pressão ambiental, mas porque custos crescentes de fertilizantes químicos e agrotóxicos vêm asfixiando a renda dos produtores. Outras questões como o bem-estar animal e certificação de boas práticas vão ser uma exigência crescente de consumidores. “O sistema alimentar do século 21 terá que ser muito diferente do que foi no século 20. É um caminho sem volta.”

Os meios de aumento da produção no século passado, estimulados pela busca em suprir a carência de alimentos, levaram à padronização e à simplificação da produção alimentar. Um dos efeitos disso é a monotonia alimentar, que se manifesta no que as pessoas comem, no que é oferecido nos supermercados e no que a indústria produz para abastecê-los. 

Para uma transição real

“Hoje os objetivos devem ser outros, isto é, uma alimentação saudável e sustentável para todos. É preciso valorizar a diversidade e evitar os ultraprocessados; substituir os insumos químicos e a ultraespecialização da agropecuária; e, por fim, mudanças institucionais como reorientar o crédito e a pesquisa para reconectar a alimentação com a natureza e com a saúde”, adiciona Favareto.

Para o professor, o mais importante é reconhecer a necessidade da transição e torná-la menos ambígua. Além de multiplicar inovações, é preciso desincentivar o modelo convencional: taxar ultraprocessados, cortar subsídios para as práticas convencionais, redirecionando-os para práticas regenerativas e para a diversificação da oferta de alimentos. Também é necessário traduzir essa ambição em metas progressivas e ousadas de substituição. “Substituição é a palavra-chave. Só assim nós vamos ter uma reconfiguração do sistema agroalimentar compatível com os objetivos ético normativos de uma alimentação saudável e sustentável, que é o que todos queremos e precisamos.”

*Sob supervisão de Cinderela Caldeira e Paulo Capuzzo