COP30: quilombolas e ribeirinhos marcham 110 km até Belém contra lixões

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Vanuza Cardoso, liderança do quilombo Abacatal, que fica em Ananindeua, região metropolitana de Belém. — Patrick Silva/Alma Preta

Em plena COP30, que coloca Belém no centro das discussões globais sobre clima e justiça ambiental, comunidades quilombolas e ribeirinhas dos municípios de Acará e Bujaru protagonizaram, nesta sexta-feira (14), uma manifestações contra a instalação de dois aterros sanitários das empresas Revita e Ciclus, com apoio do governo do Pará.

O grupo percorreu mais de 110 quilômetros, da Alça Viária (PA-283) até o centro da capital, para denunciar os impactos socioambientais do projeto e irregularidades que afirmam existir no processo de licenciamento ambiental conduzido pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas).

Segundo a Polícia Militar, aproximadamente 600 pessoas participaram do ato, considerado pacífico.

A comitiva formada por cerca de 20 ônibus deixou as comunidades às 6h da manhã, mas enfrentou dificuldades ao chegar ao posto da Polícia Rodoviária Estadual na Alça Viária. Segundo os manifestantes, todos os passageiros foram obrigados a descer para serem revistados, o que atrasou a viagem em cerca de duas horas.

“Eles nos pararam, mandaram todo mundo descer, fizeram revista em todos os passageiros. […] A gente foi impossibilitado de fazer o nosso trajeto”, denunciou Fábio Nogueira, da comunidade Menino Jesus, no Acará.

Criança segura placa contra projeto de aterro sanitário em Acará. Foto: Patrick Silva/Alma Preta.

Ele relata ainda que, após a liberação, as Polícia Rodoviária Federal e Estadual escoltaram os veículos até a Universidade Federal do Pará (UFPA). Assim, o grupo não conseguiu seguir para o Hangar – Centro de Convenções, onde fica a Blue Zone da COP30, área restrita para negociadores da conferência mundial do clima. Por esse motivo, a manifestação teve início no campus Guamá da UFPA, durante um encontro internacional de parlamentares e sociedade civil para a justiça climática.

Após o ato na UFPA, os manifestantes caminharam cerca de 7 quilômetros sob forte sol até a Avenida Visconde de Souza Franco, de onde seguiram para a Praça da República.

A marcha percorreu pontos turísticos e obras inauguradas em preparação para a COP30, como a Nova Doca, o Porto Futuro II, o Terminal Hidroviário de Belém, a Estação das Docas e, por fim, a própria Praça da República.

‘Projeto de morte’

Um projeto de aterro sanitário na zona rural de Bujaru, cidade no nordeste paraense, está sendo planejado a cerca de 530 metros de comunidades quilombolas, sem que elas tenham sido consultadas. 

A instalação está na fase do licenciamento ambiental pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) e não deve iniciar operações antes da COP30, prevista para ocorrer em novembro. De acordo com o projeto, o aterro deve receber 1,6 mil toneladas diárias de resíduos sólidos da região metropolitana, além do próprio município de Bujaru. 

Por isso representantes de aproximadamente 20 comunidades carregaram cartazes e entoaram palavras de ordem nesta tarde, chamando atenção de moradores e turistas.

Eles destacaram que o protesto buscava dar visibilidade nacional e internacional à luta contra a instalação de aterros sanitários, chamados por eles de “projeto de morte”.

“Viemos para mostrar para o povo de Belém e para o mundo, nesse momento de COP, que não aceitamos esse lixão dentro do nosso território. Não fomos sequer consultados”, afirmou Fábio Nogueira.

Comunidades denunciam risco ao açaí, às nascentes e à biodiversidade

O projeto prevê que os aterros recebam 1,6 mil toneladas de resíduos sólidos por dia, vindos da Região Metropolitana de Belém. Segundo as comunidades, o empreendimento deve ficar a apenas 530 metros de áreas quilombolas, sem que houvesse nenhum processo de consulta prévia.

A preocupação central envolve riscos à água, ao solo, às nascentes e à produção de alimentos, especialmente o açaí, base econômica e cultural da região.

Lúcia Peniche, liderança da comunidade Açu, detalha os impactos temidos. “Perto do empreendimento existem 13 ou 14 nascentes, mas em toda a região são mais de 114. A contaminação pode ser incalculável. Minha maior preocupação é com o açaí: se os polinizadores sumirem, o açaí não vinga. A produção no Acará pode cair 87%”, diz.

Ela também alerta para o desmatamento previsto: “Vão derrubar cerca de 114 hectares de mata. A fauna vai desaparecer. É morte, muita morte. Estamos pedindo socorro — um socorro justo”.

Reinaldo Leite, do quilombo Itiua, reforçou a crítica ao projeto. “Dizem que é aterro sanitário, mas para nós é lixão. Se esse lixo for para lá, acaba com nosso açaí, com nossa horta, com nossa vida. O lixo daqui tem que ser tratado aqui, não no nosso município”.

A instalação dos aterros está em fase de licenciamento ambiental pela Semas. Até a última atualização disponível, em 4 de agosto, não havia previsão para o início das operações, e um novo prazo para tramitação havia sido solicitado.