Mesmo com licença suspensa, mineradora devasta Caatinga e áreas sagradas da TI Pankará Serrote dos Campos em plena COP30

Mineradoras operam no interior do território, em processo de demarcação; uma com licença suspensa, outra sem licença

Mineração na TI Serrote dos Campos cresceu nos últimos meses e além de ameaçar o meio ambiente, ameaça áreas sagradas. Foto: Pankará Serrote dos Campos

Por Assessoria de Comunicação – Cimi Regional Nordeste

A mineração é um dos temas mais sensíveis às mudanças climáticas, alvo de protestos dos povos indígenas na COP30, que acontece durante este mês, em Belém (PA). Muito embora a Amazônia brasileira concentre 97,3% dessa atividade, abrigando 75% das áreas de interesse mineral de todo o bioma, o Nordeste concentra, conforme dados do MapBiomas Coleção 8.0 (dados de 1985 a 2023), uma área total mapeada de mineração com aproximadamente 176,6 mil hectares (1.766 km²).

De 2023 para cá, novas áreas podem ser acrescidas entre as atingidas pela mineração e a Terra Indígena (TI) Pankará Serrote dos Campos, no município de Itacuruba, sertão de Pernambuco, é uma delas.

Mesmo com a licença suspensa desde pelo menos março deste ano, a mineradora Era Mar Ltda., fundada em maio de 2023, em Itacuruba, segue explorando calcário, além de outros minerais, como o mármore, na TI. O povo Pankará Serrote dos Campos publicou uma dura nota denunciando o fato (leia na íntegra abaixo).

No final do último mês de outubro, as atividades das mineradoras escalaram a tensão na região. Placas foram espalhadas pelas mineradoras proibindo o trânsito dos indígenas, a pesca e a caça

Além da Era Mar LTDA, na TI também atua a empresa Zuilton Mineração Ltda, com sede em Ouricuri e fundada em novembro de 1998. No caso desta empresa, sequer há registros de pedido de lavra ou licenciamento de exploração em Itacuruba no site da Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco, cuja sigla é CPRH.

A CPRH é uma entidade autárquica estadual que atua na execução da política ambiental do estado, sendo vinculada à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS).

No último dia 30 de outubro, durante uma reunião interinstitucional coordenada pela Defensoria Pública da União (DPU), o diretor da CPRH, Eduardo D’Alvini, confirmou que a licença da Mineradora Era Mar Ltda. está suspensa desde agosto de 2025, dizendo que a empresa “não pode operar”.

O presidente da CPRH, José de Anchieta, reiterou o compromisso institucional com a suspensão das atividades. De tal maneira, os representantes da CPRH comprometeram-se a embargar totalmente o empreendimento no dia seguinte à reunião e a lavrar novo auto de infração.

Passadas mais de duas semanas, não há qualquer ação da CPRH ou das autoridades estaduais e federais para embargar as operações da mineradora, que continua operando a todo vapor no local. Fotos tiradas por um drone mostram o colapso ambiental se espalhando como um vírus pela Caatinga – chegando a áreas sagradas dos Pankará Serrote dos Campos.

“Às delegações da COP30: convidamos vocês a não ignorarem o impacto de empreendimentos minerários em terras indígenas e a exigir que decisões de proteção territorial”, diz trecho de nota emitida pelo povo Pankará Serrote dos Campos

Estavam na reunião do dia 30 representantes do Ministério Público Federal (MPF), Funai, Cimi, CPRH, Prefeitura de Itacuruba, Programa estadual de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos (PEPDDH) e o Projeto Awurê, uma parceria da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Ministério Público do Trabalho (MPT).

Durante o diálogo interinstitucional, o representante do MPF compartilhou um documento mostrando que a licença está suspensa desde março de 2025, corrigindo em cinco meses o constatado pelo CPRH, além da área se sobrepor à TI Serrote dos Campos.https://www.instagram.com/reel/DJK6zdYxmDf/embed/captioned/?cr=1&v=14&wp=540&rd=https%3A%2F%2Fcimi.org.br&rp=%2F2025%2F11%2Fmineracao-ti-pankara-serrote-dos-campos-cop30%2F#%7B%22ci%22%3A0%2C%22os%22%3A11003.29999999702%2C%22ls%22%3A2529%2C%22le%22%3A10997.29999999702%7D

Escalada da tensão

No final do último mês de outubro, as atividades das mineradoras escalaram a tensão na região. Placas foram espalhadas pela Era Mar proibindo o trânsito, pesca e caça dos Pankará Serrote dos Campos em área da TI onde um afloramento rochoso, considerado sagrado pelo povo, é alvo iminente das dinamites da mineradora.

No dia 28 de outubro, em protesto, os Pankará bloquearam a PE-422 e retiraram as placas. “Nosso território está sendo invadido pela mineradora Era Mar (…) que país é este que vivemos? Que país é este que passa por cima da vida das pessoas? Que país é este que despreza os povos indígenas em plena COP30?”, declarou a cacique Lucélia Pankará Serrote dos Campos.

“Vale dizer que o povo está localizado naquele lugar por conta das inundações provocadas pelas obras da Transposição do Rio São Francisco”, diz advogada da comunidade

Em outubro, a mineração estava há 50 metros do Terreiro Arapuá. Além do crime ambiental e da destruição de espaços culturais, a assessora jurídica do Cimi e advogada do povo, Caroline Hilgert, salienta que, quando a licença foi concedida pela CPRH, a comunidade não foi consultada como determinada a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Vale dizer que o povo está localizado naquele lugar por conta das inundações provocadas pelas obras da Transposição do Rio São Francisco. É algo relevante para começar essa história porque (os Pankará Serrote dos Campos) foram forçados a sair das ilhas que foram inundadas. Encontram este lugar no pé da Serra”, explica.

Cacica Lucélia Pankará Serrote dos Campos no V Encontro Popular da Bacia do Rio São Francisco. Foto: Manoel Freitas

ACP da demarcação

A advogada ressalta este aspecto justamente para tratar do direito à consulta prévia, livre e informada preconizada pela Convenção 169. Ou seja, desde a transposição o povo não tem tido este direito garantido. Um dos argumentos é de que a TI não está demarcada. Contudo, a perícia antropológica do MPF emitiu relatório atestando que a área de exploração das mineradoras está no perímetro reivindicado pelo povo.

“Tem uma Ação Civil Pública (ACP), iniciada pelo MPF, em 2018, que pediu para a Funai constituir o Grupo de Trabalho para a demarcação da TI. Apesar de já ter ido a campo, a Funai ainda não finalizou a primeira etapa de relatórios”, explica Hilgert.

No ano passado, a morosidade da Funai acabou tendo consequências judiciais. A advogada conta que o juiz da 38a Vara Federal de Pernambuco, onde a ACP tramitou por quase sete anos, condenou a Funai a seguir com a demarcação e a pagar uma indenização de R$1 milhão pelo atraso no cumprimento da obrigação.

A Funai recorreu da decisão junto ao Tribunal Regional Federal da 5a Região (TRF-5), em Recife. Até o momento da publicação deste texto, ainda não havia sido anunciado o cumprimento provisório da sentença.

Morosidade judicial, morosidade da CPRH

O povo Pankará, representado pela DPU, ingressou, em dezembro de 2024, com uma Ação civil Pública (nº 0801032-11.2024.4.05.8303) na 18a Vara Federal de Pernambuco pedindo o fim imediato das atividades da empresa Era Mar Ltda. e a anulação de todos os processos minerários que afetam seu território, alegando violação do direito à consulta livre, prévia e informada, conforme determina a Convenção 169 da OIT.

A ação tramita há quase um ano sem decisão liminar. Mesmo sem a decisão, a licença da mineradora acabou embargada meses depois, em maio deste ano. A defesa dos Pankará Serrote dos Campos questiona a razão da CPRH ainda não ter ido a campo embargar a obra, retirar maquinários e ingressar com ação judicial pelos danos ambientais causados.

A assessoria jurídica do Cimi, nesta semana, levou a denúncia ao Ministério Público Estadual (MPE), que já havia manifestado o entendimento de que a área é de interesse e ocupação indígena, entendendo que apesar de se tratar de assunto com jurisdição federal, o órgão pode ajudar a dialogar com o governo estadual para que se cumpra o embargo da mineração na TI.

A denúncia também foi encaminhada ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), à 6a Câmara de Coordenação e Revisão, da Procuradoria-Geral da República (PGR), e à própria CPRH ressaltando o fato de que a agência ao não cumprir com o dever de embargar os projetos de mineração está permitindo a destruição ambiental e cultural do território indígena.

Nota Pública – Contra a Mineração na TI Serrote dos Campos

O povo indígena Pankará, da Terra Indígena Serrote dos Campos, localizada no município de Itacuruba/PE, vem a público manifestar sua profunda preocupação com a permanência irregular das empresas Mineradora Era Mar Ltda. e da Zuilton Mineração Ltda. em nosso território tradicional.

Mesmo após a suspensão da licença ambiental pela CPRH – Agência Estadual de Meio Ambiente do Pernambuco, as empresas mineradoras insistem em manter presença na Terra Indígena.

A Ação Civil Pública nº 0801032-11.2024.4.05.8303, na 18ª Vara Federal de Pernambuco, pede a imediata cessação das atividades minerárias e tramita há quase um ano sem decisão liminar, configurando grave violação ao direito fundamental da nossa comunidade à razoável duração do processo, nós do povo Pankará vivemos dia-dia o agravamento do colapso ambiental de nosso território e terreiro religioso sagrado do Arapuá.

A reunião interinstitucional de 30/10/2025 — com participação do MPF, DPU, FUNAI, CPRH e Prefeitura de Itacuruba — reconheceu oficialmente a irregularidade e a necessidade de embargo total das operações das mineradoras, que – se não deveriam ter sido iniciadas – já deveriam estar suspensas desde Agosto de 2025.

O mundo se reúne na COP30, em Belém/PA, para debater a crise climática global e definir metas para a proteção dos povos, dos ecossistemas e da Amazônia.

O Povo Indígena Pankará da Terra Indígena Serrote dos Campos lembra que a defesa do seu território — contra a mineração predatória — não é apenas uma luta local, mas faz parte da agenda global de justiça climática, direitos indígenas e preservação da terra tradicional.

Às delegações da COP30, aos países participantes e aos mecanismos multilaterais: convidamos vocês a não ignorarem o impacto de empreendimentos minerários em terras indígenas e a exigir que decisões de proteção territorial sejam efetivas, imediatas e vinculadas aos compromissos da conferência.

A suspensão da licença pela CPRH, a omissão da fiscalização pelo Estado de Pernambuco e pela União, a omissão judicial da justiça federal por quase um ano, e a existência de mobilização interinstitucional demonstram que esta é uma causa urgente. Enquanto o mundo se reúne na COP30, comunidades como a nossa esperam que os princípios debatidos se traduzam em prática local.

Reivindicamos:

  1. QUE AS MINERADORAS PAREM IMEDIATAMENTE DE VIOLENTAR NOSSO TERRITÓRIO!
  2. A apreciação urgente da liminar da ACP;
  3. A fiscalização imediata por órgãos ambientais;
  4. A proteção da integridade física e cultural das lideranças e do povo Pankará de Serrote dos Campos;
  5. O respeito ao direito à consulta prévia, livre e informada (Convenção 169 da OIT).

Terra é vida. Vida é resistência. E o planeta também observa.

Povo Pankará de Serrote dos Campos Resiste.