O desastre do Rio Doce como espelho da impunidade corporativa

A COP30 não pode ser apenas um evento diplomático. Ela precisa ser um espaço de escuta dos territórios atingidos, de enfrentamento da impunidade corporativa e de afirmação de um modelo de justiça ambiental

Crédito: Lucas Xavier da Cunha/Wikimedia Commons

Por Emanuelli Carvalho dos Santos

Com a chegada da COP30, que será sediada em Belém do Pará, o Brasil entra no centro das atenções internacionais sobre justiça climática. Mas não há como falar em futuro sustentável sem encarar os passivos ambientais e sociais que ainda ferem nosso território. O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015, é um desses marcos, um crime corporativo que continua sem resposta penal efetiva.

Como assessora técnica atuando diretamente na foz do Rio Doce, no Espírito Santo, venho acompanhando de perto os impactos desse desastre. A partir da Criminologia Verde, compreendo que os crimes ambientais não podem ser tratados como meras infrações administrativas. Essa vertente crítica da criminologia propõe que o sistema penal reconheça os danos ecológicos como formas de violência estrutural, muitas vezes invisibilizadas pelo poder econômico. Ela amplia o conceito de crime para incluir condutas que, embora legalizadas ou toleradas, causam destruição ambiental e sofrimento social profundo.

No caso do Rio Doce, milhões de metros cúbicos de rejeitos foram despejados, contaminando rios e destruindo territórios. As empresas responsáveis Samarco, Vale e BHP Billiton seguem operando, enquanto os atingidos enfrentam a precarização da reparação, a perda de seus modos de vida e a ausência de justiça.

A legislação brasileira, especialmente a Lei de Crimes Ambientais, já permite a responsabilização penal de pessoas jurídicas por crimes ambientais. E a jurisprudência tem avançado nesse sentido. Mas na prática, o que vemos são acordos extrajudiciais que priorizam interesses econômicos e deixam a justiça ambiental em segundo plano. A responsabilização penal ainda é exceção, e isso revela um sistema jurídico que precisa ser urgentemente transformado.

A COP30 não pode ser apenas um evento diplomático. Ela precisa ser um espaço de escuta dos territórios atingidos, de enfrentamento da impunidade corporativa e de afirmação de um modelo de justiça ambiental que una responsabilização penal, reparação integral e protagonismo popular.

Que o mundo olhe para a COP30. Que o mundo olhe para o Brasil. E que o mundo olhe, com seriedade e compromisso, para o maior crime ambiental da nossa história não como uma tragédia encerrada em 2015, mas como uma ferida aberta que exige justiça. Porque justiça ambiental não se constrói com protocolos diplomáticos, mas com coragem jurídica, com reparação concreta e com a memória viva dos territórios atingidos.

Emanuelli Carvalho dos Santos é Advogada de direitos humanos, criminóloga, integrante da RENAP e da ABJD