Por Urgewald
Comunicado de Imprensa: Berlim, Brasília, Buenos Aires, Cidade do México, 01.10.2025
Cinco semanas antes da cúpula do clima da ONU em Belém, Brasil (COP30), um estudo publicado hoje revela quais empresas são responsáveis pela expansão massiva das atividades de combustíveis fósseis na América Latina e no Caribe – e quais bancos e investidores apoiam essas atividades. As editoras são as ONGs urgewald (Alemanha), Arayara International Institute (Brasil), FARN (Argentina), Conexiones Climáticas (México) e Amazon Watch (EUA/Peru/Equador). Paralelamente ao estudo, foram publicados dois painéis interativos online que mostram onde os projetos de expansão atuais estão planejados e quais corporações são responsáveis por cada um, bem como quais bancos e investidores estão por trás deles.
Estudo para download:
https://cloud.urgewald.org/index.php/s/7GJAkNcQeCFtW4A
Painel sobre projetos de expansão fóssil:
http://monitor.whofundsfossilfuels.com/
Painel financeiro:
http://monitor.fossilfuelfinance.com/
O estudo revela as 190 empresas de 42 países que estão explorando ou desenvolvendo novos campos de petróleo e gás ou desenvolvendo novas infraestruturas de combustíveis fósseis na região. “A América Latina e o Caribe são um hotspot global de expansão de combustíveis fósseis. Corporações poderosas como Petrobras, ExxonMobil, YPF e Chevron estão determinadas a extrair o máximo possível de petróleo e gás antes que seus negócios sejam interrompidos por metas políticas líquidas zero”, diz Heffa Schücking, diretor administrativo da urgewald e principal autor do relatório.
47% de todas as novas reservas de petróleo e gás atualmente em desenvolvimento na América Latina e no Caribe estão localizadas no Brasil, país anfitrião da COP 30. A ANP, reguladora de petróleo do Brasil, está liberando muitas das regiões ecologicamente mais sensíveis do país para a exploração de petróleo e gás – incluindo o Sistema de Grandes Recifes Amazônicos e antigas áreas protegidas na região amazônica.
“A Amazônia já está ameaçada de extinção e agora seu futuro está sendo vendido para extrair petróleo lá por algumas décadas”, diz Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora-executiva da Arayara. A estatal brasileira Petrobras é a maior desenvolvedora individual de novos campos de petróleo e gás na América Latina e no Caribe, respondendo por 29% do total. “O governo brasileiro afirma estar avançando com a transição energética, mas não tem sequer um plano para a transformação de sua própria petroleira”, critica Oliveira.
Expansão da infraestrutura de petróleo e gás
Empresas responsáveis anunciaram uma verdadeira enxurrada de novas infraestruturas de petróleo e gás na América Latina e no Caribe. Esses projetos exigem um investimento inicial maciço e são projetados para operar por 30 a 50 anos. Uma vez colocados em operação, eles gerarão enormes CO2emissões para a atmosfera.
Mais de 8.800 km de novos oleodutos e gasodutos estão planejados na região. Entre os mais controversos está o projeto Vaca Muerta Oleoducto Sur (VMOS) da Argentina, que conectaria o segundo maior depósito de petróleo e gás de xisto do mundo em Vaca Muerta ao Golfo de San Matías – um ecossistema marinho impressionante com uma próspera indústria do turismo. O projeto transformaria o Golfo em um centro de exportação de combustíveis fósseis, com enormes petroleiros de petróleo bruto constantemente indo e vindo.
Em julho de 2025, um consórcio de 16 bancos e investidores liderado por JPMorgan, Citi, Deutsche Bank, Itaú e Santander aprovou um empréstimo de US$ 2 bilhões para o projeto: o maior empréstimo privado de infraestrutura da história da Argentina. “Este oleoduto destrói a biodiversidade insubstituível do Golfo de San Matías e nos leva ao futuro distópico descrito nos relatórios do IPCC. As empresas petrolíferas e alguns bancos podem se beneficiar disso. Mas continua sendo um crime ambiental que prejudica a economia regional e a maioria da população”, diz Ariel Slipak, coordenador de pesquisa da FARN Argentina.
Na América Latina e no Caribe, 19 novos terminais de exportação de gás natural liquefeito (GNL) estão planejados ou já estão em desenvolvimento. Se concluídos, esses projetos poderiam produzir mais de 97 milhões de toneladas de GNL por ano: um aumento de 470% na capacidade de liquefação de gás na região. Mais de dois terços da nova capacidade de exportação de GNL da região estão planejadas no México, com a maioria dos projetos focados no Golfo da Califórnia. Esta área marinha intocada é frequentemente chamada de “aquário do mundo” porque abriga 900 espécies de peixes e 39% das espécies de mamíferos marinhos do mundo.
Há protestos em todo o México exigindo o fim desses projetos de GNL. Pablo Montaño, Diretor Geral da Conexiones Climáticas, diz: “Esses projetos não servem ao povo do México. Eles importarão gás fraturado dos EUA, liquefarão e depois o enviarão diretamente para a Ásia. A liquefação do gás fóssil é um negócio incrivelmente sujo e ficaríamos sozinhos com a poluição, as consequências para a saúde e a destruição de um de nossos ecossistemas mais importantes. Cerca de metade dos peixes capturados no México vem do Golfo da Califórnia.
Expansão de usinas a gás
Na América Latina e no Caribe, as usinas a gás são frequentemente alimentadas por combustível importado, deixando os países afetados vulneráveis a mercados globais voláteis e mudanças geopolíticas. No entanto, novas capacidades de usinas a gás de mais de 54.000 megawatts (MW) estão planejadas ou já estão em construção na América Latina e no Caribe. O Brasil e o México respondem por 65% e 21% dessa expansão em toda a região, respectivamente.
Os três maiores desenvolvedores de usinas a gás são a CFE, do México, e a Eneva e o Porto Norte Fluminense, do Brasil. “Esses projetos servem ao lobby do gás e prejudicam todos os outros. Já a energia renovável é abundante, mais limpa, mais barata e também pode abastecer comunidades que não têm acesso à rede elétrica”, comenta Oliveira.
Expansão dos combustíveis fósseis financiada por dívida
Projetos de infraestrutura em grande escala geralmente levam a dívidas enormes. Em alguns países da América Latina e do Caribe, a necessidade de atender bancos e detentores de títulos internacionais é um impulsionador de uma maior expansão fóssil. O Peru é um exemplo disso. O bloco 64, perto da fronteira com o Equador, é um dos campos de petróleo mais controversos do Peru. Mais de 7.600 km² de floresta tropical estão na área do campo, bem como as terras de pelo menos 22 comunidades indígenas, incluindo os Achuar, Wampís e Chapra. Nos últimos 30 anos, sua resistência inabalável forçou seis empresas petrolíferas a se retirarem e paralisou a produção.
Para pagar os empréstimos do Deutsche Bank, Santander, Bank of America e HSBC para um projeto de refinaria superdimensionado, a petrolífera nacional Petroperú está agora tentando desesperadamente retomar as operações no Bloco 64. “Os bancos que financiam a infraestrutura de combustíveis fósseis no Peru pouco se importam com a origem do petróleo bruto e também não entrevistaram as pessoas afetadas cuja pátria está sendo sacrificada. Em resposta, os povos indígenas deixaram claro que nenhum petróleo pode ser extraído em seu território. Os bancos não podem mais fingir que não sabem”, diz Mary Mijares, gerente de campanha da Amazon Watch.
Os financiadores por trás da inundação de combustíveis fósseis na região
Entre 2022 e 2024, 297 bancos emprestaram um total de US$ 138,5 bilhões para empresas que desenvolvem novos projetos de combustíveis fósseis na região. O maior financiador entre eles é o banco espanhol Santander (US$ 9,9 bilhões), seguido pelo JPMorgan Chase (US$ 8,1 bilhões), Citigroup (US$ 7,9 bilhões) e Scotiabank (US$ 7,2 bilhões).
92% do financiamento bancário para a expansão fóssil na região vem de países fora da região – especialmente da Europa, EUA, Canadá, China e Japão. No ranking de bancos do relatório, o primeiro banco latino-americano, o Itaú Unibanco, aparece apenas em 15º lugar.
Ao mesmo tempo, de acordo com a pesquisa mais recente, mais de 6.400 investidores institucionais detêm ações e títulos no valor de 425 bilhões de dólares de empresas que estão impulsionando novos projetos de combustíveis fósseis na América Latina e no Caribe. 96% dos investimentos institucionais nessas empresas são realizados fora da região. Os três maiores investidores são Vanguard (US$ 40,9 bilhões), BlackRock (US$ 35,3 bilhões) e Capital Group (US$ 16,8 bilhões), todos dos Estados Unidos.
Papel dos bancos e investidores da Alemanha, Suíça e Áustria
Com um volume financeiro de 3,4 bilhões de dólares entre 2022 e 2024, oDeutsche Bank é o quarto maior financiador europeu de expansão fóssil na América Latina e no Caribe.
Philipp Noack, ativista financeiro da urgewald, comenta: “O Deutsche Bank obteve um lucro de 3,3 bilhões de euros no primeiro semestre do ano. Também gera esse lucro por meio de negócios de combustíveis fósseis e às custas dos habitats na Amazônia. Ele permite negócios relacionados a fracking, perfuração em mar ultraprofundo e desmatamento. Nenhuma estratégia de negócios pode justificar isso. Quem procura um banco sustentável deve dizer adeus ao Deutsche Bank o mais rápido possível.”
O UBS suíço ocupa o 8º lugar na Europa, com 1,4 bilhão de dólares. O UBS estava significativamente mais envolvido como investidor do que no negócio bancário: com investimentos em ações e títulos em empresas responsáveis com um volume total de 5,5 bilhões de dólares, ficou em 14º lugar no mundo.
Johanna Frühwald, ativista financeira da urgewald, diz: “Às vésperas da 30ª Conferência Mundial do Clima no Brasil, esta análise não é apenas um alerta para bancos e investidores, mas também para as autoridades de supervisão e regulação. Como financiador, o UBS está contribuindo significativamente para a destruição irreversível de habitats e ecossistemas na América Latina. É hora de o mercado financeiro suíço tratar a expansão fóssil pelo que ela é: um risco ecológico e também um risco sistêmico para o setor financeiro.”
Embora os bancos austríacos não apareçam na área de financiamento bancário, o Erste Group e o Raiffeisen Banking Group atuaram como investidores nas empresas de combustíveis fósseis em expansão na região. Na data do relatório, o Grupo Erste detinha ações e títulos com um valor total de US$ 55,1 milhões, o Raiffeisen com um valor total de US$ 54,7 milhões.
Frühwald diz: “Esses investimentos vêm às custas das comunidades indígenas e habitats dignos de proteção. É hora de o Erste Group e a Raiffeisen limparem seus portfólios e investirem na transição energética em vez de modelos de negócios fósseis.”
Um rastro de dinheiro para as salas de reuniões dos bancos internacionais
O financiamento da expansão dos combustíveis fósseis na América Latina e no Caribe, portanto, ocorre em grande parte no exterior. Mesmo as empresas estatais de petróleo e gás da região dependem fortemente de dinheiro do exterior. Assim, os bancos mais importantes da Petrobras são o MUFG do Japão e o Scotiabank do Canadá. A Pemex do México recebeu as maiores quantias de financiamento do Citi e a Ecopetrol da Colômbia do Scotiabank. O grupo argentino YPF tem o Santander como seu principal doador.
Dez anos após o Acordo Climático de Paris, o mundo ainda não conseguiu reverter a curva de emissões. “Se você procurar as razões para esse fracasso, encontrará um rastro de dinheiro. Isso leva diretamente às salas de reuniões de instituições financeiras que ignoraram o senso comum e a ciência climática na última década para continuar financiando a expansão dos combustíveis fósseis”, critica Schücking.
Fonte: Urgewald