Veto ao Projeto de Lei do Semiárido

Por Arthur Soffiati

Parece que faltou ao legislador desse Projeto de Lei um conhecimento básico dos biomas brasileiros. São Amazônia, Caatinga (semiárido), Cerrado, Pantanal Mato-grossense, Mata Atlântica e Campos do Sul. Há quem considere as planícies costeiras como o sétimo bioma do Brasil. Pois as regiões Norte e Noroeste Fluminenses estão no domínio Mata Atlântica e no bioma costeiro. O atual prefeito de Campos, que apresentou o projeto de lei quando deputado federal, não contou com a devida assessoria. O Norte/Noroeste Fluminense não está na área da SUDENE. Simples assim. Ele desejou que o semiárido pulasse Minas Gerais e Espírito Santo para chegar ao norte do estado do Rio de Janeiro. Foi fácil o veto. Não creio que Lula tenha esse conhecimento básico, mas ele conta com assessoria. O Congresso Nacional também deve contar. Contudo, a assessoria é ruim ou não procurada. Foi o que aconteceu com o PL da devastação, que vale para todo o Brasil. Ele apresenta falta de conhecimento, algo admitido pelo seu relator.

O PL do semiárido volta agora para o Congresso para manutenção ou derrubada do veto. Insistir que o Norte/ Noroeste fluminense seja inserido no âmbito da Caatinga será inútil. Não discuto a constatação de que os índices pluviométricos nas duas regiões do Estado do Rio de Janeiro tenham sofrido redução nos últimos anos. Quando chove muito, ocorrem enchentes destruidoras, mas são breves. O mais comum são as secas prolongadas. Elas afetam mais a economia rural do que as enchentes. A pergunta que se deve fazer não é apenas “o que”, mas “por que algo está acontecendo.

A resposta é complexa. Primeiramente, é preciso reconhecer que o planeta passa por mudanças climáticas. O mundo todo está sofrendo com excesso ou escassez de água. O sul da Europa
Ocidental sofre de secas severas no verão. Parece que o deserto do Saara está saltando o mar Mediterrâneo e entrando na Península Ibérica, no sul da Itália e da Grécia, assim como na Vurquia. Portugal está em chamas. As temperaturas altas atingem a Inglaterra. O mundo não apresenta mais um clima previsível. Antes, sabíamos que os verões, na zona tropical, eram acompanhados de chuvas intensas com transbordamentos ocasionais. Sabíamos que os invernos eram secos e pouco chuvosos. Tratava-se do clima que, naturalmente, dominou a Terra no início do século XIX, consoante autores como Emannuel Le Roy Ladurie (“Historia del clima desde el año mil”) e Brian Fagan (“O aquecimento global”). Saiu-se de um período frio entre a segunda metade do século XIV e o século XVIII para se entrar numa condição climática mais quente.

Foram mudanças naturais de estrutura climática. Porém, com o uso de combustíveis fósseis, a partir da revolução industrial, gases derivados da queima de carbono sólido (carvão), líquido (petróleo) e gasoso (gás natural) afetaram a camada natural de CO2 na atmosfera. O clima começou a se aquecer mais ainda. A economia de mercado liberou gases que aqueceram mais ainda o planeta. Todas as partes do mundo contribuíram para as mudanças climáticas com intensidades diferentes, Estados Unidos e China são campeões na produção de gases causadores de mudanças climáticas. A contribuição do Norte/Noroeste fluminense foi com o desmatamento colossal da zona montanhosa e o com o dessecamento intenso da planície fluviomarinha. Estamos colhendo os frutos do que outros países fizeram e nós também fizemos.

Tecnicamente, não estamos no bioma da Caatinga, embora as condições climáticas possam se assemelhar as de lá. A economia agropecuária que se instalou aqui contribuiu para as condições climáticas que nos afeta. Mas não fico apenas na constatação. O que aconteceu não se pode reverter totalmente. Não defendo o fim da agropecuária e o retorno da floresta e das lagoas. Entendo o problema dos agropecuaristas grandes e pequenos. Mas pedir ajuda em momentos críticos de estiagem apenas não basta. Invocar o drama de pequenos produtores para atender aos grandes também não. Lembremos do Proálcool, que visava as pequenas destilarias e acabou beneficiando apenas os grandes.

Um projeto de lei que ajude o agropecuarista grande e pequeno deve situar a região não no semiárido, mas nos Domínios Atlântico e Costeiro, explicando que as mudanças climáticas globais estão afetando severamente a região e reconhecendo que o desmatamento e a drenagem em excesso contribuíram para tal secura. Nada de propor barragens em grandes e pequenos rios, mas somente cisternas abastecidas dentro dos limites de oferta de água. Paralelamente, cabe propor um programa intermunicipal de restauração florestal em áreas críticas sob o comendo de especialistas e financiado pelos municípios de acordo com o orçamento de cada um. Lembremos dos royalties do petróleo. Na planície, cabe selecionar áreas destinadas à conservação de umidade. Por fim, estranho que, diante da secura progressiva do Norte/ Noroeste fluminense, o eucalipto seja proposto como redenção da economia rural. Olhem o que o eucalipto vem fazendo para ressecar Portugal. Os ruralistas querem ajuda para aprofundar mais ainda o semiárido que os afeta. E acadêmicos estão por trás desse movimento.

*Professor, escritor, historiador e ambientalista