Escrevo para todas as pessoas que se interessam pelos assuntos que me despertam atenção, mas, hoje, particularmente, dirijo-me a professores e estudantes de todos os níveis por concluir que as informações sobre o ambiente da região Norte-Noroeste Fluminense são pouco conhecidas e ensinadas. Os pesquisadores, em sua maioria, limitam-se a estudar ambientes degradados sem projeções temporais de grande alcance em direção ao passado ou ao futuro.
Temos poucos documentos relativos ao passado. Pouco ou nada sabemos do ambiente natural no século XVI, quando se promoveu a primeira tentativa de colonização europeia. Ela fracassou. Deu certo no século XVII. Dois documentos desse século podem nos ajudar: o “Roteiro dos Sete Capitães” e a “Representação” de André Martins da Palma, ambos reunidos no livro “Os mais antigos documentos europeus sobre a Capitania de São Tomé” (Campos dos Goytacazes: Essentia, 2023), que pode ser obtido gratuitamente na Reitoria do IFF. Ambos falam da planície, da lagoa Feia e dos povos nativos. É pouco, mas ajuda.
Informações sobre natureza e sociedade do Norte Fluminense estão no “Relatório do Marquês de Lavradio entregando o governo do vice-reinado do Brasil a Luiz de Vasconcellos e Sousa”, de 1779. O documento apresenta duas dificuldades ao leitor: é de difícil acesso por se encontrar apenas na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro de 1843 e 1913 e por se referir a todo o Brasil, com o Distrito de Campos ocupando pouco, mas importante lugar. Mesmo assim, mostra uma região bem diferente da atual, embora se possa reconhecer já o caminho que desembocou nos dias atuais. O Arquivo Público de Campos bem que podia programar a publicação deste documento.
O segundo data de 1785. Trata-se do famoso relatório que acompanha o mapa da região, ambos de autoria do militar-topógrafo Manoel Martins do Couto Reis. Documento monumental, ele é o primeiro a abordar aspectos naturais, econômicos e sociais de forma sistemática. Como já foi publicado pelo Arquivo Público de Campos, oferece a vantagem de acesso mais fácil.
Couto Reis começa com a topografia do terreno. Da costa para o interior, sucedem-se a planície parte arenosa (restinga) e parte argilosa (aluvial). Em seguida, terrenos argilosos em forma de montes (tabuleiros). No fim, as montanhas (rochas cristalinas). Não se podia esperar, naquele tempo, qualquer explicação sobre a formação desses terrenos. O militar se limita a descrever e a opinar.
Sobre rios e lagoas, ele mapeia os principais, como Macaé, Imbé, Ururaí, o grande Paraíba do Sul, Muriaé, Pomba, Itabapoana e os menores: Imbé, Preto, do Gentio (hoje Dois Rios), Iguaçu (hoje transformado na lagoa do Açu), da Onça e Ingá. E os descreve, mostrando uma fisionomia que não mais apresentam. Quanto às lagoas da planície fluviomarinha, ele chegou a se perder num mundo de água que não mais existe.
Quanto à vegetação nativa, ele mostra que, na parte montanhosa e nos tabuleiros, era constituída de densas florestas que chegavam até Guarus e que o desmatamento as ameaçava quando promovido de forma desnecessária, como, por exemplo, derrubar uma árvore para colher uma fruta ou uma colmeia. Ele prometeu uma lista de espécies vegetais, que, infelizmente, não figura no relatório.
Sobre a fauna nativa, ele elaborou uma tipologia para classificá-la, já que desconhecia a tipologia elaborada por Lineu no mesmo século XVIII. Além de apresentar uma enorme lista de espécies animais, muitas extintas regionalmente, ele se condoeu com a sorte delas, abatidas em grande parte como divertimento de humanos.
Descreve os povos nativos, mostrando a diferença de cultura entre eles e definindo sua localização espacial. Informa que a nação goitacá já estava extinta em 1785 e defende os indígenas quanto à ambição dos invasores europeus e seus descendentes. Em documentos posteriores, ele mudará de posição.
Em relação à economia imposta pelo invasor, ele descreve, de forma primorosa, a agricultura e a pecuária (bem mais variadas que as atuais), os numerosos engenhos de açúcar, a ação dos jesuítas (já expulsos pelo Marquês de Pombal), o trabalho escravo, a drenagem anual pelo canal do Furado por mãos escravas, a situação da baixada sob domínio de proprietários rurais e das Câmaras de Campos e de São João da Barra.
E encerra seu relatório com uma extensa lista de proprietários de terra, engenhos e escravos em toda a extensão do Distrito de Campos, que abrangia duas vilas e seis freguesias. Trata-se de um documento precioso, mostrando sempre novidades ao pesquisador que volta a ele. Complementa-o um mapa, meticulosamente elaborado, revelando um mundo bastante diferente do atual. Trata-se de um documento de leitura obrigatória pelos governantes, que talvez não saibam da sua existência. Planejar o presente sem conhecer o passado é uma grande temeridade e irresponsabilidade.
*Professor, escritor, historiador e ambientalista