Depois de anos de luta e protestos, infelizmente o Pacote do Veneno virou lei, enfraquecendo as regras sobre agrotóxicos no Brasil, país líder em uso, ou seja, piora uma realidade que já é grave.
Para barrar esse perigo, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, a ADI 7701, foi apresentada por partidos e entidades no Supremo Tribunal Federal (STF) em 14 de agosto de 2024, no Dia do Combate à Poluição.
A ação destaca que a nova lei de agrotóxicos, aprovada em 2023 sob a influência de empresas agroquímicas, viola diversos princípios constitucionais, como:
- direito à saúde, à vida digna e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado;
- direitos dos povos indígenas, de populações rurais, do consumidor, de crianças e de adolescentes;
- direitos da administração pública, como legalidade e eficiência.
Em vista disso, os autores requerem que sua inconstitucionalidade seja reconhecida antes do fim do julgamento, por meio de uma medida cautelar. A gerente jurídica do Greenpeace Brasil, Angela Barbarulo, destaca que:
“A nova lei do Pacote do Veneno contraria a tendência mundial de proibição de agrotóxicos carcinogênicos e mutagênicos, uma vez que facilita a liberação de substâncias nocivas à saúde humana e ao meio ambiente, aumentando os riscos de câncer e contaminação dos ecossistemas, contribuindo ainda mais para a tríplice crise planetária: a crise das mudanças climáticas, da perda de biodiversidade e da poluição e resíduos”.
Além do Greenpeace, a ação contou com o apoio técnico e científico da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, do Observatório do Clima (OC), do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), do Instituto Socioambiental (ISA) e da Terra de Direitos, e foi protocolada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Rede Sustentabilidade, Partido dos Trabalhadores (PT), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar).
Já existe uma solução, comprovada pela ciência e pela história, para produzir alimentos saudáveis e sem agrotóxicos para todas as famílias: a agroecologia. Diante dos riscos e impactos do Pacote do Veneno, a transição ecológica para uma agricultura sustentável se torna ainda mais urgente.
Agroecologia: plantação sem agrotóxicos no Acampamento Zé Maria do Tomé, no Vale do Jaguaribe (CE), onde foi gravado o curta-documentário “Entre a Vida e o Veneno” © Nilmar Lage / GreenpeaceSeguinte
Papel do Greenpeace e orgs socioambientais no STF
Na intenção de auxiliar os ministros do STF na decisão, o Greenpeace Brasil, juntamente com o OC e o ISA, solicitou participação no processo por meio de um pedido de amicus curiae (“amigos da corte”) feito em 19/08. Assim, as organizações podem contribuir com dados e argumentos técnicos que evidenciam a gravidade dos impactos socioambientais.
Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do OC, aponta que a norma “institucionaliza retrocessos e flexibilizaras regras anteriormente existentes, viola o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – assegurado como princípio fundamental por nossa Carta Magna–, desrespeita o direito à saúde pública e fragiliza o controle estatal. Configura um autêntico Pacote do Veneno, que esperamos ser derrubado por nossa Corte Suprema”.
“Caso a lei seja mantida, danos irreversíveis serão sofridos pela população brasileira como um todo. Defendemos a inconstitucionalidade dos pontos da nova lei que impõe graves retrocessos, com intenso risco à saúde e ao meio ambiente”, afirma Maurício Guetta, consultor jurídico do ISA.
Quer saber mais? Confira um resumo.
O que é a nova lei?
O Pacote do Veneno refere-se à Lei 14.785, sancionada em dezembro de 2023, que enfraquece o controle de agrotóxicos no Brasil, representando um grave retrocesso social, ambiental e climático. Sua aprovação reflete o poder de empresas do agronegócio no legislativo brasileiro.
A nova lei de agrotóxicos facilita a liberação de substâncias que podem causar câncer, mutações e alterações genéticas, causando impacto socioeconômico significativo, como o aumento dos custos para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Entre as consequências do uso de agrotóxicos, estão a contaminação da fauna, da flora e dos alimentos, cuja toxicidade, uma vez presente, é impossível de remover. Esses produtos químicos podem ser derivados de combustíveis fósseis e poluem o solo, a água e o ar, contribuindo para as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e a crise no clima.
Agrotóxicos no Brasil
O Brasil lidera o ranking mundial de consumo de agrotóxicos desde 2011, utilizando mais de 700 mil toneladas por ano – sendo que 5 dos 10 agrotóxicos mais utilizados no país são proibidos na União Europeia, aponta a pesquisadora Larissa Bombardi no livro “Agrotóxicos e Colonialismo Químico”.
Desde 2017, mais de 3,8 mil novos agrotóxicos foram autorizados pelo governo brasileiro, um recorde que coloca em risco a população e a biodiversidade. A lei do Pacote do Veneno faz mal porque agrava esse cenário ao autorizar mais substâncias.
Diariamente, pelo menos 36 pessoas sofrem intoxicação por agrotóxicos, e uma morre a cada dez dias, de acordo com dados oficiais do Ministério da Saúde. No entanto, esses números provavelmente são ainda maiores, devido à expressiva subnotificação.
Lobby empresarial por trás
A pressão do agronegócio foi crucial para a aprovação da nova lei de agrotóxicos, impulsionado pela bancada ruralista (Frente Parlamentar Agropecuária – FPA) e desconsiderando os alertas científicos. Enquanto a sociedade e o meio ambiente arcam com os riscos, as grandes corporações agroquímicas são beneficiadas.
A priorização dos interesses de poucas empresas ocorre em detrimento do bem-estar de milhões de brasileiros, especialmente trabalhadores rurais, crianças e populações indígenas, que são os mais vulneráveis à exposição aos agrotóxicos.
Solução: agroecologia como alternativa
Apesar dos desafios impostos pelo Pacote do Veneno, a agroecologia surge como uma solução possível. Em nota, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) ressalta a necessidade de impulsionar um modelo agrícola baseado nos princípios agroecológicos, assim como fortalecer as restrições de uso desses contaminantes químicos no Brasil, em busca do seu banimento.