Com 38 votos, principalmente de ruralistas e bolsonaristas, contra 18 dos partidos de esquerda, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, hoje (20), um projeto de lei (PL) que permite devastar, pelo menos, 48 milhões de hectares só de campos nativos, o equivalente às extensões somadas do Rio Grande do Sul e do Paraná.
Se o PL 364/2019 for aprovado, na prática, poderiam ser riscados do mapa mais de 50% do Pantanal, 32% dos Pampas e 7% do Cerrado. Além disso, 15 milhões de hectares na Amazônia também estão ameaçados ‒ o que representa mais de 16 vezes a última taxa de desmatamento do bioma (2022-2023). Os dados são de uma nota técnica da SOS Mata Atlântica que analisou os impactos do projeto sobre a vegetação campestre.
O PL foi aprovado em caráter terminativo, isto é, deve seguir direto ao Senado. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), no entanto, já avisou que deve apresentar um recurso para que ele passe pelo plenário da Câmara primeiro. Lá, o pedido precisa ser aprovado por maioria mas quem decide se será votado ou não é o presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), parceiro de primeira hora dos ruralistas.
A extensão de vegetação nativa passível de supressão, porém, é ainda maior, porque o PL coloca em risco não apenas os campos nativos mas qualquer tipo de vegetação “não florestal” em todo Brasil.
“A proposta pretende revogar toda a proteção da vegetação nativa não florestal, em vigor no Brasil desde 1934, liberando-a para o desmatamento generalizado. O impacto é abissal em biomas predominantemente não florestais, como Pantanal, Cerrado, Caatinga e Pampa, mas também vai afetar enormes áreas não florestais na Amazônia e na Mata Atlântica”, alerta o consultor jurídico do ISA Mauricio Guetta (saiba mais no box ao final da notícia).
Ao propor alterar o parágrafo 2º do artigo 3º do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), o parecer do deputado Lucas Redecker (PSDB-RS) confirma a legalização dos desmatamentos antigos de toda vegetação “predominantemente não florestal” do país e permite seu desmatamento de agora em diante, de forma automática. O projeto faz isso ao classificar esse tipo de cobertura vegetal, de antemão, “área rural consolidada”, ou seja, já convertida para uso agropecuário – mas mesmo que ela esteja em estado original de conservação. Além disso, (leia abaixo).
“Art. 3º. § 2º. Nos imóveis rurais com formações de vegetação nativa predominantemente não florestais, tais como os campos gerais, os campos de altitude e os campos nativos, para os fins do inciso IV do art. 3º, é considerada ocupação antrópica a atividade agrossilvipastoril preexistentes a 22 de julho de 2008 ainda que não tenha implicado a conversão da vegetação nativa, caracterizando-se tais locais, para todos os efeitos desta Lei, como área rural consolidada.” “Art.82-B. As disposições relativas à regularização ambiental de imóveis rurais previstas nesta Lei se aplicam a todo o território nacional e podem abranger fatos pretéritos à edição desta Lei […].” Parecer do PL 364/2029 do deputado Lucas Redecker (PSDB-RS)
‘Afirmação falsa’
Durante a sessão da CCJ, Redecker e outros ruralistas insistiram que o projeto afetaria um tipo restrito de vegetação, de pouca importância e em região limitada geograficamente, chegando a afirmar que o PL não abre margem para derrubar “uma árvore sequer”.
“Estamos tratando de campos em áreas consolidadas”, repetiu o relator. “São campos antropizados, ou seja, naqueles lugares que o campo não teve ascensão humana, não teve pastoreio de animais com a pecuária não vai se enquadrar neste (sic) projeto ”, continuou.
“A afirmação de que o texto se limita aos campos é falsa, pois a expressão ‘tais como’, na redação atual, denota que os tipos de vegetação mencionados ‒ campos gerais, os campos de altitude e os campos nativos ‒ são meros exemplos do conteúdo principal, que é a vegetação não florestal”, explica Guetta.
“O PL 364 é a maior das boiadas contra todos os biomas brasileiros”, afirma a diretora de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro. “É um ataque grave contra as agendas do clima, da água e da biodiversidade, um atentado contra os nossos patrimônios naturais e que recoloca o Brasil na contramão do mundo”, completa.
Ribeiro lembra que a vegetação não florestal tem grande importância ecológica. Esses ecossistemas são fundamentais para a manutenção de nascentes e aquíferos, por exemplo, e sua destruição pode colocar em risco o abastecimento de água de várias regiões.
Projeto original
O projeto original do deputado Alceu Moreira (MDB-RS) visava apenas resolver uma demanda de agricultores de alguns municípios da Serra Gaúcha. Entre 2016 e 2019, vários deles foram autuados pelo Ibama por converter essas áreas para uso agropecuário. A ideia era regularizá-las do ponto de vista ambiental
A bancada ruralista aproveitou a votação do PL na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, no final de 2022, para distorcer a intenção inicial e ampliar seu impacto numa escala nacional. Depois disso, organizações ambientalistas conduziram uma negociação delicada com prefeitos e entidades de produtores rurais do Rio Grande do Sul, para retomar e ajustar o escopo original. Redecker desconsiderou o entendimento, no entanto.
Não será necessário se inscrever para participar do evento gratuito em 2 de setembro.
A audiência pública para a apresentação à sociedade da segunda fase...
A presidência da COP30 divulgou o calendário oficial dos Dias Temáticos para a próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que ocorrerá...
Parece que faltou ao legislador desse Projeto de Lei um conhecimento básico dos biomas brasileiros. São Amazônia, Caatinga (semiárido), Cerrado, Pantanal Mato-grossense, Mata Atlântica...