Nem mesmo o sol do meio-dia intimidou Denise Alves do Santos. Ela vestiu a camisa UV, colocou o chapéu e pegou a enxada para cuidar da terra sob um calor escaldante. Com vigor, plantou macaxeira, cortou bananeira e avançou a plantação de abacaxi.
Diante do esforço feito na presença da reportagem do Brasil de Fato, ela parou apoiando-se na enxada, respirou fundo e sorriu: “Eu sou apaixonada por agricultura. Não me vejo em escritório”.
Denise é uma das cerca de trinta trabalhadoras que fazem parte do “Roçado das Marias”, uma iniciativa do setor de gênero do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), na Zona da Mata de Pernambuco. Ela mora no acampamento São Francisco de Assis, na cidade de Vitória de Santo Antão, um território marcado por conflitos fundiários e resistência dos trabalhadores há três décadas.
“Aqui é um acampamento que tem 30 anos de história de luta pela terra. E a gente não tinha assim um projeto virado para nós mulheres. Foi quando eu soube da ideia de a gente montar um roçado para as Marias, só das mulheres”, explicou.
A experiência também tem transformado a vida de Paula Miguel, agricultora que chegou ao acampamento em 2018. Ela morava em João Pessoa, na Paraíba. Estava desempregada e viajou até o acampamento em Pernambuco para tentar uma nova perspectiva, ao lado de familiares que já estavam na região.
“Até então, eu não tinha uma profissão, eu não tinha do que sobreviver. Através do Roçado das Marias, eu ganho o sustento da minha família e é o que eu mais gosto de fazer”, comemora.
O Roçado é tocado em lotes das áreas coletivas de acampamentos ou assentamentos do MST e é coordenado exclusivamente por mulheres, com o objetivo de fortalecer a autonomia e a geração de renda para as agricultoras que vivem em territórios da reforma agrária. Ele foi pensado para superar a lógica estrutural que coloca a figura masculina como central nas atividades do campo.
“A gente sabe que a construção dos roçados se inicia mais pelo companheiro, pelo agricultor. Com isso, a gente pensou: ‘por que não ter o Roçado das Marias, né?’. O Roçado das Marias é um mecanismo também de a gente exigir os nossos direitos, não só como mulher, mas também como acampadas”, explicou Hanyelle Ohane, dirigente do setor de gênero da regional Galileia, em Vitória de Santo Antão.
A iniciativa envolve mais outros quatro acampamentos de cidades da mata sul de Pernambuco, na regional Galileia. O território fica bem próximo do engenho onde surgiram as Ligas Camponesas no estado.
Com o Roçado, as trabalhadoras tentam diversificar uma paisagem marcada, historicamente, pela monocultura da cana-de-açúcar. Além de plantar, elas também participam de cursos de formação sobre agroecologia e sistemas agroflorestais.
Elas se organizam em assembleias mensais, realizadas sempre no dia 8 de cada mês. De forma coletiva, decidem uma escala de trabalho no lote, de modo que a atividade não sobrecarregue nenhuma das trabalhadoras envolvidas. Além disso, compartilham experiências pessoais e debatem o direito das mulheres na sociedade.
Trabalhadora comemora a colheita de macaxeira no Roçado das Marias / Afonso Bezerra
A renda que vem desse trabalho elas aplicam no autocuidado ou em atividades de livre escolha para complementar a renda de casa.
“A gente trabalha com o nosso companheiro e tem uma rendinha beleza. Mas a gente precisa do nosso sustento pessoal, né? A gente precisa se sentir mulher realizada”, apontou Denise.
“Tendo essa renda extra, a gente pode comprar uma roupa melhor, um presente para o nosso filho, fazer um aniversário para o nosso filho, sair e dar uma voltinha na cidade, porque a vida também não está só no campo, né? A gente também tem que sair para distrair um pouco a mente da rotina que a gente vive”, concluiu.
A meta do projeto agora é ampliar o processo de formação das trabalhadoras e fortalecer a comercialização dos produtos nas principais feiras da região.
“A gente tá com roçado pensando a longo prazo. Estamos pensando de futuramente ter uma cooperativa. Ter essa autonomia pra mulher, pra que a gente possa se organizar, se auto-organizar e ir pra frente levar os nossos produtos sem transgênicos pras feiras”, concluiu Hanyelle Ohane.