Os produtores de plástico sabem há mais de 30 anos que a reciclagem do material não é uma solução economicamente nem tecnicamente viável. É o que revela um estudo do Centro de Integridade Climática (CCI), organização cujo trabalho responsabiliza a indústria de combustíveis fósseis pelos danos causados pelas mudanças climáticas.
Para quem tem pressa:
- A indústria do plástico tem conhecimento há mais de 30 anos de que a reciclagem de plásticos não é viável economicamente nem tecnicamente, revela um estudo do Centro de Integridade Climática (CCI);
- Documentos internos revelam que a indústria promoveu a reciclagem apesar de entender suas limitações, com a intenção de mitigar pressões regulatórias e promover a imagem de responsabilidade ambiental;
- Enquanto a Associação da Indústria de Plásticos defende seus esforços em soluções para o desperdício de plástico, críticos acusam a indústria de utilizar argumentos políticos para desviar a atenção de sua responsabilidade na promoção da reciclagem como solução viável;
- O apontamento dessas práticas enganosas pela indústria do plástico pode fundamentar ações legais e investigações, como as já iniciadas pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA e pelo procurador-geral da Califórnia, questionando a validade e eficácia da reciclagem de plásticos promovida pelas grandes empresas.
O presidente do CCI, Richard Wiles, acusa as empresas de mentir sobre a viabilidade da reciclagem do plástico. Wiles também enfatiza a necessidade de responsabilizá-las pelos danos causados.
Reciclagem de plástico
O plástico, derivado de petróleo e gás, apresenta grandes desafios para a reciclagem devido à necessidade de separação meticulosa entre os milhares de tipos quimicamente distintos e à degradação do material a cada ciclo de reutilização.
Apesar de conhecerem os desafios inerentes à reciclagem de plásticos, a indústria obscureceu essa informação em suas campanhas de marketing, conforme ilustrado por documentos internos revelados pelo estudo, intitulado “A Fraude da Reciclagem de Plásticos“.
Documentos internos e investigações anteriores mostram que, nas últimas décadas, insiders da indústria se referiram à reciclagem de plásticos como “antieconômica” e insustentável como solução de longo prazo para os resíduos sólidos.
Os autores da pesquisa sugerem que companhias de petróleo e petroquímica, juntamente com suas associações comerciais, podem ter violado leis destinadas a proteger o público contra marketing enganoso e poluição.
A Sociedade da Indústria de Plásticos, agora conhecida como Associação da Indústria de Plásticos, defende que, em vez de colaborar em soluções reais para o desperdício de plástico, grupos como o CCI preferem ataques políticos, segundo o jornal The Guardian.
Histórico
Na década de 1950, os produtores de plástico adotaram a ideia de descartabilidade para garantir um mercado em constante crescimento para seus produtos, promovendo o uso único de plásticos.
Nos anos 80, diante de potenciais proibições municipais a sacolas de supermercado e outros produtos de plástico, a indústria começou a promover a reciclagem como solução, apesar de saber que a reciclagem de plásticos não era viável economicamente nem tecnicamente.
A indústria estabeleceu a Fundação de Reciclagem de Plásticos em 1984 e lançou uma campanha focada no compromisso do setor com a reciclagem, introduzindo o símbolo “setas em perseguição” em 1988 para indicar plásticos recicláveis, apesar de ser considerado enganoso por especialistas.
A Sociedade da Indústria de Plásticos também estabeleceu um centro de pesquisa em reciclagem na Universidade Rutgers em 1985, e um projeto piloto de reciclagem em St. Paul, no Minnesota, em 1988, apesar de reconhecer internamente que a reciclagem não era uma solução real.
Nos anos 90, a indústria continuou promovendo a reciclagem por meio de anúncios, mesmo sabendo que não era uma solução viável, como demonstrado por falas de representantes da Eastman Chemical e da Exxon em conferências da indústria.
Discussão
O estudo alega que a má conduta da indústria continua, promovendo a chamada reciclagem química, apesar de saber que não é uma solução verdadeira para o desperdício de plástico, sendo uma prática ainda mais poluente, com alto custo energético.
Matt Seaholm, da Associação da Indústria de Plásticos, critica a pesquisa por usar informações desatualizadas e alegações falsas para enganar o público sobre a reciclagem, sem especificar quais seriam essas alegações.
O estudo surge num momento de crescente escrutínio público sobre a indústria do plástico e a reciclagem, incluindo uma investigação lançada pelo procurador-geral da Califórnia e uma revisão de saúde pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) sobre o cloreto de vinila, carcinógeno usado na produção de plástico.
Especialistas e ex-autoridades – por exemplo: Judith Enck, da EPA, e Brian Frosh, ex-procurador-geral de Maryland – reconhecem a solidez do estudo e sugerem que ele poderia fundamentar investigações e ações legais contra a indústria do plástico por enganar o público e violar leis de proteção ao consumidor e ao meio ambiente.