Não é de causar surpresa a intensificação das mudanças climáticas em suas manifestações ano a ano.Elas podem oscilar de intensidade. Podem ter ocorrido chuvas, secas, altas e baixas temperaturas, fogo e outras manifestações em anos anteriores ao ano vivido, mas essa oscilação se acentua mais a partir dos anos de 1970, quando a linha das emissões de gases do efeito estufa e do aquecimento global começou a se elevar progressivamente. No segundo semestre de 2022, fenômenos climáticos extremos estão sendo registrados no verão do hemisfério norte e no inverno do hemisfério sul. Para uma avaliação ponderada das mudanças climática, é imprescindível estar atento pera o que ocorre em todo o planeta Terra e não apenas num país.
Chuvas vindas da África
As nuvens pesadas não vieram da Amazônia, como costuma acontecer quando se formam as Zonas de Convergência do Atlântico Sul, trazendo chuvas fortes para a região sudeste, centro-oeste e sul do Nordeste. Elas vieram da África pela Zona de Convergência Intertropical. A atmosfera está mais quente. A camada de gás carbônico e outros gases que envolveram a Terra está mais espessa, não permitindo, como antes de 1850, o escapamento de calor para o espaço. A atmosfera mais quente reflete sobre o mar, cuja superfície se aquece. Muitas mudanças ambientais ocorrem com esse aquecimento: morte de corais, migração de peixes para o norte ou para o fundo, ressacas cada vez mais violentas, elevação do nível dos oceanos etc.
No caso das recentes e destruidoras chuvas no Nordeste, sobretudo na grande Recife, o aquecimento do mar produziu mais evaporação e gerou nuvens. Nessa época do ano, começa esse fenômeno, geralmente traduzido em furacões nas Antilhas e nos Estados Unidos. Dessa vez, ventos alísios sopraram o vapor d’água para a costa nordeste do Brasil. Ele se transformou em pesadas nuvens que se precipitaram sobre a grande Recife, como em 1974, causando mais estragos, porém. Por que? Primeiramente porque as chuvas se tornaram mais volumosas nos últimos 50 anos. Elas são como verdadeiros aviões de guerra. Em segundo lugar porque as cidades cresceram sobre áreas de risco. Aumentaram a população e a pobreza. Mais de 8 milhões de habitantes no Brasil ocupam hoje áreas de risco: topos de morro, encostas desmatadas, margens de rios, áreas baixas sujeitas a alagamentos.
Em 2022, a chuva bombardeou Jaboatão dos Guararapes, arrastando casas das encostas, das margens de rios e alagando tudo nas áreas baixas. O lixo ajudou a entupir tudo. Mais de cem pessoas morreram. Por esse número de mortes, os especialistas estão considerando essa catástrofe climática mais severa que a de 1974. Mas é preciso levar novos fatores em conta. Primeiro, que as chuvas se tornaram mais volumosas por causa das mudanças climáticas. Não conseguiremos retornar aos níveis da década de 1960 tão cedo e tão facilmente. Segundo porque as cidades cresceram de forma desordenada e não estão preparadas para os novos tempos. O comportamento das pessoas e das autoridades também não se atualizou. Quando uma chuva dessa intensidade afeta alguma parte do Brasil, o presidente, no máximo, faz um sobrevoo sobre as áreas atingidas e diz publicamente que infelizmente esses fenômenos acontecem. Depois, anuncia a liberação de recursos financeiros para os desabrigados e desalojados. As pessoas não atingidas têm a oportunidade de exercer sua caridade com doações. A imprensa entrevista vitimas. Quando o momento crítico passa, tudo é esquecido até a próxima catástrofe.
Os especialistas são pouco ouvidos e as autoridades municipais, estaduais e federais não anunciam planos para adaptar as cidades às mudanças climáticas, já que estas não podem ser facilmente adaptadas às cidades.
Fogo e água
Para admitir que os tempos mudaram, é preciso acompanhar o que acontece no mundo. Não basta mais olhar para calor, frio, fogo, chuva, ressacas num só país. O mundo se transformou num grande país. Sempre foi assim desde que a Terra é Terra, mas a divisão do mundo em países obscureceu nossa visão. Na maioria da população, a ficha ainda não caiu. Uma pessoa me disse que é impossível o ser humano, mesmo agindo coletivamente, alterar o clima. Sempre foi assim, sustentou ela. Outra diz, num canal de TV, que as ressacas e a erosão costeira tolhem seu direito de ir e vir.
Naturalmente, o clima sofreu mudanças radicais durante a longa história da Terra, mas nunca uma espécie conseguiu tal façanha agindo coletivamente dentro de um modo de produção cujo objetivo é o lucro. A pessoa que me disse ser a humanidade incapaz de provocar alterações climáticas globais acredita que tudo não passa de conspiração criada pela ONU, mas acredita que exista uma cidade de 450 milhões de anos no interior da Amazônia muito cobiçada por outros países por sua riqueza. A que reclama do direito constitucional de ir e vir não leva em conta que o mar ignora qualquer constituição. Que o mar não sabe o que é propriedade privada para pegar o que, por direito, é dele. Nada é dele e tudo pode ser dele. Na história da Terra, já houve vários episódios naturais de avanço e recuo do mar. O inédito é que as ressacas dia a dia mais potentes são agora produto de mudanças climáticas e elevação do nível dos oceanos, juntamente com o derretimento de geleiras e dilatação das moléculas de água.
Em junho de 2022, chuvas intensas em Bangladesh e na Índia já mataram mais de 40 pessoas, deixando milhões isoladas. As autoridades governamentais e científicas reconhecem que essas são as piores inundações de monções que o país experimentou nas últimas duas décadas e que afetaram pelo menos quatro milhões de pessoas. Tais autoridades já admitem sem hesitação que essas chuvas resultam de mudanças climáticas. Mas não sabem o que fazer. Como reduzir no mundo todo as emissões causadoras dessas mudanças? Como, aqui na Terra, reorganizar os núcleos urbanos para enfrentarem as novas condições climáticas?
Por sua vez, na Califórnia (EUA), o verão começa com incêndios, anunciado dias piores. Dias com temperaturas extremas. Essas notícias não chegam até nós ou chagam por uma nota de rodapé nas TVs e jornais. O mundo converge cada vez mais para o próprio mundo. O que acontece em Búzios, Macaé, sul do Espírito Santo interessa tanto ao mundo
quanto o que acontece na Austrália, Ásia, Europa, África, América do Norte e América do Sul.
Ventos do Saara
Por volta de 12 mil anos passados, a Terra começou a entrar numa fase quente. Era a quarta vez em um milhão de anos que esse fenômeno acontecia: uma alternância de geleiras e temperaturas amenas. As geleiras dominavam no hemisfério norte e as chuvas eram volumosas no hemisfério sul. A área do atual deserto do Saara era uma floresta. Por volta de 7 mil anos atrás, ainda havia pastagens nela. O novo tempo quente foi reduzindo a grande floresta a oásis. O maior de todos restringiu-se ao vale do rio Nilo.
Hoje, o Saara é o maior deserto do mundo. As mudanças climáticas provocadas por ação humana atualmente estão provocando o seu aumento e elevando suas temperaturas. De vez em quando, acontecem fenômenos extraordinários, como a copiosa chuva em Assuã, Egito, que expulsou escorpiões de suas tocas e ocasionou várias mortes por picadas venenosas.
O Saara é uma fonte de calor para a Europa no verão. Os ventos que se formam nele atravessam o mar Mediterrâneo e chegam aos países europeus do sul, como Grécia, Itália,
Malta, Espanha e Portugal. Nem bem o verão de 2022 chegou, Espanha e Portugal estão enfrentando altas temperaturas. Então começam as informações desencontradas ou incompletas. Primeiro, a não informação. Poucos jornais noticiam o que o verão está provocando. Os que noticiam ouvem um homem de 30 anos. Com os pés numa fonte pública, ele diz que nunca sentiu tanto calor na vida. Que esse verão é inédito. Foi o verão que chegou mais cedo em 20 anos, declara outro. Trouxe os meses mais quentes em décadas, noticia outro jornal. Maio foi o mês mais quente na Península Ibérica em 92 anos. Isso significa que houve algum verão mais quente há mais de 92 anos ou as medições de temperatura começaram há 92 anos, não havendo registros anteriores?
Sabe-se que a Organização Mundial de Meteorologia, ligada à ONU, relaciona tais temperaturas às mudanças climáticas. Podemos esperar incêndios, falta de água para o meio rural e urbano e mortes, principalmente de crianças e idosos, como vem acontecendo na Europa de maneira mais intensa a cada ano.
A banalização das mudanças climáticas
Quase no segundo mês do inverno no hemisfério sul, as chuvas na costa nordestina do Brasil não têm dado trégua à região, destruindo suas cidades, sobretudo as áreas pobres. Os rios transbordam e inundam os bairros já castigados pela pobreza. As encostas deslizam, arrastando casas que se equilibravam perigosamente. Um estudo recentíssimo concluiu que, no caso nordestino, não há dúvida de que a intensa e atípica precipitação pluviométrica se deve ao aquecimento global. Oceano aquecido, ventos que sopram do mar para o continente, resfriamento das nuvens e chuvas torrenciais. Volume nunca registrado antes nos anais.
Pula-se para a Itália e depara-se com a avalanche da maior geleira dos Alpes no início de julho. Lá é verão. As temperaturas estão muito altas. Ventos do Saara, deserto cada vez mais seco e quente. No cume da geleira, a temperatura bateu recorde. Atingiu 10 graus. Para brasileiros e saarianos, é uma temperatura fria. Para as geladas montanhas dos Alpes, bastante quente. Na Sibéria, as temperaturas têm passado de 40 graus no verão. Ondas de calor estão varrendo a Europa. Os meteorologistas anunciam temperaturas mais altas e os climatologistas as relacionam às mudanças climáticas
Pulemos para a Austrália. Lá é inverno. Nunca choveu tanto na parte leste da maior ilha do mundo em registros feitos nos últimos 150 anos. Os cientistas perguntam se as mudanças climáticas agravam os efeitos do La Niña. Elas, as mudanças, estão potencializando os padrões climáticos do Holoceno. O mundo está mais quente e mais frio; mais chuvoso e mais árido. E os cientistas que estudaram as recentes enchentes no Nordeste do Brasil concluem que nós -humanos – estamos queimando a vela pelas duas pontas: na atmosfera, o acúmulo de gases do efeito-estufa; nos continentes, sobretudo no hemisfério sul, as cidades incharam a periferia por conta das desigualdades sociais. Daí, quando ocorrem
fenômenos climáticos extremos (e eles se tornam cada vez mais frequentes), os efeitos desastrosos são maiores. Não há novidade nisso.
Os perigos enfrentados com as mudanças climáticas podem se tornar rotina, se é que já não se tornaram. Antes, população, empresários, políticos e até cientistas negavam as mudanças climáticas por ação antrópica. Agora, atribuem todos os desastres climáticos a elas e tocam em frente.