Situação das búfalas em Brotas é resultado de tratar animais como produtos

Enquanto não mudarmos nossa percepção e estender consideração moral aos outros animais, casos como o de Brotas (SP) não serão uma impossibilidade

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O caso das búfalas em Brotas (SP) exige uma perspectiva um pouco mais abrangente sobre a realidade. Embora tenha sido visto por muita gente como algo pontual, vai muito além disso.

Afinal, por que centenas de búfalas e seus filhotes foram deixados para morrer em uma fazenda? Por que o proprietário, segundo tudo que foi divulgado até agora sobre o assunto, decidiu que seria mais rentável cultivar soja.

As condições em que os animais foram encontrados, e o que foi apontado por médicos veterinários que avaliaram as bubalinas, revela que houve grande descaso em relação à vida desses animais.

Mas o que leva alguém a abandonar animais dessa maneira? No caso das búfalas, que eram utilizadas com finalidade econômica em uma fazenda leiteira, é um reflexo de algo que muitas pessoas resistem em admitir – que animais usados para produção de alimentos não são vistos como criaturas dignas de direitos, são apenas meios para um fim – e isso é um facilitador de maus-tratos e crueldade animal.

Louvável seria o descarte, abate?

Prova disso é que quando não correspondem aos anseios de seus criadores ou do mercado tendem a ser abandonados, descartados ou abatidos. No caso das búfalas, morrer seria apenas uma questão de quando e como. A comoção existe hoje pela situação em que foram deixadas – ou seja, desnutridas e morrendo em consequência de inanição.

Isso é condenável, claro, mas louvável seria o descarte, abate, quando já não atingissem a meta de produção? Quando fossem considerados, sob perspectiva econômica, animais que já não vale a pena manter vivos?

A crença de que animais são bens móveis, e que devem existir para nos beneficiar, é o que favorece um sistema de exploração que permite a alguém crer que não há problema em matar animais ou em deixá-los para morrer.

Afinal, a sociedade diz o tempo todo que eles estão muito abaixo de nós, e o que importa em primeiro lugar são os nossos interesses. Acredito que enquanto não mudarmos nossa percepção e estender consideração moral aos outros animais, casos como o de Brotas (SP) não serão uma impossibilidade, porque a perspectiva especista de animais como produtos é o que, em menor ou maior proporção, perpetua essas práticas.


Entenda o Caso:

Uma situação desoladora tem recebido repercussão nacional desde o início de novembro, quando, após denúncias, a Polícia Ambiental de Brotas, cidade no interior de São Paulo, se dirigiu até a fazenda Água Sumida para averiguar uma ocorrência de maus-tratos a animais.

Chegando ao local, o cenário era macabro: mau-cheiro, carcaças enterradas e ao menos 1.000 búfalas abandonadas, das quais pelo menos 22 já estavam mortas e em decomposição, enquanto outras se encontravam com as costelas à mostra, em avançado estado de inanição.

Investigações apontam que o proprietário da fazenda, o psicanalista Luiz Augusto Pinheiro de Souza, que vendia leite de búfala, deixou os animais à deriva de propósito para definharem no local. Sem comida e sem água, as búfalas, em sua maioria grávidas, estavam morrendo e sofrendo abortos espontâneos.

A situação de caos e calamidade tem sido tratada por ONGs como um dos maiores casos de maus-tratos a animais já registrados na história do Brasil. Entenda o caso das búfalas de Brotas por meio desta linha do tempo:

6 de novembro

Após denúncia que relatava maus-tratos a animais, a Polícia Ambiental se dirigiu até a fazenda Água Sumida, onde foram encontradas, em situação de abandono, 667 búfalas-asiáticas, 332 bezerros e 22 animais mortos, além de carcaças enterradas.

De acordo com a Polícia, as búfalas haviam sido inseminadas artificialmente para a produção de leite, mas o proprietário da fazenda decidiu investir em plantação de soja nas suas terras e desistiu dos animais. Luiz Augusto Pinheiro de Souza teria alegado que a situação era fruto de problemas financeiros causados pela pandemia. Ele foi multado, inicialmente, em R$ 2,13 milhões.

  • 10 de novembro

Com permissão da Justiça, ONGs, ativistas, veterinários e voluntários se reuniram na tentativa de oferecer ajuda para os animais abandonados.

  • 11 de novembro

O dono da fazenda foi preso pela Polícia Civil, acusado de maus-tratos.

  • 12 de novembro

Após pagar uma fiança de R$ 10 mil, Luiz Augusto foi liberado.

  • 15 de novembro

Uma equipe de voluntários montou um hospital de campanha no local, se disponibilizando a cuidar dos animais.

  • 18 de novembro

Após ação dos advogados de Luiz Augusto, uma ordem judicial partindo da juíza Marcela Machado Martiniano limitou o número de voluntários que poderiam acessar a fazenda.

  • 20 de novembro

Com cartazes escrito “SOS Búfalas de Brotas”, protetores de animais e representantes de ONGs protestaram na praça Amador Simões contra decisão judicial que devolvia a tutela dos búfalos para o proprietário da fazenda.

  • 21 de novembro

Acusados de maus-tratos por impedirem o acesso dos voluntários e não fornecerem água e comida aos animais, dois trabalhadores da fazenda foram presos em flagrante pela Polícia Civil.

Famosas como Xuxa Meneghel, Luísa Mell e Luana Piovani usaram suas redes sociais para protestar contra a determinação da Justiça de devolver a tutela dos búfalos ao antigo dono.

  • 22 de novembro

Os funcionários que tinham sido presos passaram por audiência de custódia e foram liberados para responder em liberdade. A Justiça decidiu que a ONG Amor e Respeito Animal (ARA) passaria a ficar com a tutela provisória dos animais encontrados.

  • 25 de novembro

Atraindo a presença de urubus, as carcaças dos búfalos mortos ainda estão expostas no terreno. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) permitiu que os animais fossem enterrados na propriedade, mas os voluntários precisam aguardar aval de órgãos de saúde.