A pegada material da economia contemporânea

Ricardo Abramovay é economista e professor da USP

O mundo está se distanciando do principal objetivo estabelecido há quatro anos na RIO+20, a transição para uma Economia Verde. A proposta central da reunião organizada pelas Nações Unidas consistia em aumentar a eficiência dos sistemas produtivos (usando cada vez menos recursos para oferecer bens e serviços) e, ao mesmo tempo, reduzir as desigualdades das sociedades contemporâneas. Um Relatório recém-publicado pelo Painel de Recursos Internacionais do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente mostra um quadro extremamente preocupante: a fome de recursos por parte da economia global não cessa de aumentar. A ambição de fazer mais com menos sequer iniciou sua concretização. A ideia tão comum de que a revolução digital é a porta de entrada para a economia da abundância e a era da desmaterialização é frontalmente desmentida pelos fatos. A palavra-chave da Economia Verde (decoupling, ou seja, desacoplamento, descasamento, desligamento) ainda não chegou ao mundo real.

Nos últimos quarenta anos, a população mundial dobrou, o PIB global (a preços constantes) triplicou e o uso de materiais passou de 22 bilhões de toneladas em 1970 para 71 bilhões de toneladas em 2010, ou seja, acompanhou o aumento do PIB.

Contrariamente ao que se poderia esperar, o ritmo deste aumento no uso de materiais não é atenuado pelo progresso científico e tecnológico. Desde 1970 o uso de materiais cresce 2,7% ao ano. Mas na primeira década do milênio, o aumento atingiu 3,7% ao ano. Levou trinta anos para que a média anual no uso de materiais “per capita” pulasse de 6,4 toneladas em 1970 para 7,9 toneladas em 2000. Mas a partir daí, em apenas dez anos, este número médio alcançou 10,1 toneladas per capita (e por ano). “A velocidade com que estamos explorando recursos naturais, gerando emissões e lixo aumenta mais rápido que os benefícios econômicos daí resultantes”, diz o Relatório.

O Painel de Recursos Internacionais do PNUMA reúne um grupo de especialistas que se dedicam a estudar o metabolismo social contemporâneo, ou seja, a maneira como a espécie humana emprega os recursos materiais, energéticos e bióticos necessários a sua reprodução. E a grande conclusão é que este metabolismo está doente. A maneira como são extraídos, transformados, consumidos e descartados os recursos em que se apoia a economia está destruindo serviços ecossistêmicos indispensáveis à vida, que se trate das florestas, do ar, do clima, da água, dos solos ou dos oceanos. Na raiz desta destruição encontra-se antes de tudo uma imensa desigualdade na maneira como são apropriados os materiais de que a oferta de bens e serviços depende. E não há a menor chance de que a redução desta desigualdade passe pela generalização ao conjunto da espécie humana dos padrões de produção e consumo vigentes nos países desenvolvidos.

A principal inovação teórica destes especialistas consiste em examinar a economia não apenas a partir do sistema de preços, mas com base na sua realidade substantiva. Sua pergunta central é: quanto extraímos da biosfera para obter as utilidades que compõem a riqueza? A resposta se traduz em quatro famílias de materiais: biomassa, combustíveis fósseis, minerais metálicos e minerais não metálicos (como areia, cal e cimento). É a partir daí que se avalia o que os especialistas chamam de “pegada material” da economia. E os dados mostram que esta pegada não está melhorando.